domingo, 27 de setembro de 2009

CAFÉ MULLER

NOITE COM SOL...ASSIM FOI MINHA ESTRÉIA COM PINA BAUSCH...

Nós alunos da profª Helena Katz, fomos convidados a assistir um ensaio da Cia de Pina Bausch / Tanztheater Wuppertal na temporada que faria em São Paulo. Mais uma das generosidades, dessa pessoa maravilhosa chamada Helena, que compartilha momentos/aprendizados de arte com os seus parceiros, alunos e artistas da dança. Entretanto, tudo contribuía para uma “não-presença: noite fria, teatro longe – fora do centro de São Paulo, um frio daqueles... só que eu e mais de 100 alunos de Helena, não arredamos o pé, estávamos ali – no Teatro Alfa, domingo passado, 20/09/09.

E, por incrível que pareça, boa parte, achava que seria um ensaio aberto, passagem de palco, tão comum antes da estréia. Mas...não! Foi apresentado na integra Café Muller e Sagração da Primavera. Eu, quando comprei o programa e vi toda a situação típica de pré-estréia... fui tomada por uma emoção, como a de quem realiza um grande sonho: assistir Pina Bausch. E, mesmo que ela não estivesse ali, a sua presença era muito forte. Todos nós não vamos apenas assistir a obra artística e sim a obra de Pina Bausch.

Eu era pura emoção. Quando entrei e vi o cenário de Café Muller, não me contive. Os olhos encheram de água e assim foi durante toda a noite. A obra, Café Muller, é de uma força, é tão impactante... que por mais que já a conhecesse em vídeo, ali, ao vivo... É outra coisa.

Durante a graduação de dança (por volta de 1998), Café Muller, foi minha primeira tentativa de descrever e analisar uma obra de dança, digamos que, mais criticamente. Fiz dessa obra, meu material, para um seminário em Metodologia da Dança. Lembro que, li o livro de Ciane Fernandes sobre Tanz Theater Wupertal e tudo que tive acesso sobre Pina. E, por mais que entendesse a ignição temática dessa obra: a incompletude humana, os encontros e desencontros das relações amorosas e as memórias fantasmagóricas da infância de Pina... Ver ali, ao vivo, me desarmou totalmente. Ainda que soubesse cada cena, e ainda procurasse a presença de Pina. Não era a familiaridade ou a ausência dela (por que ela não está mais ali?) que contribuíram para esse atravessamento.

Literalmente fui atravessada por Café Muller nessa noite. Senti algo que não dá para descrever no verbal. Sabe uma emoção, uma beleza que te desconcerta? E essa sensação foi potencializada quando vi ao vivo.

Café Muller é tão impactante, te desestabiliza não só pelo tipo de estruturação das cenas, pesquisa dos movimentos, mas por estar ali a natureza humana crua e bela no corpo que dança. O lirismo que atravessa os corpos, não se propõe a suavizar as cenas. É descompromissado. E você, espectador, que dê conta da beleza e da dor ali presentes, não mais fora de você. Pina, nos ensina que não existe o” dentro” e o “fora”. Está tudo misturado.

Existe uma cena em que um casal se encontra e existe um personagem que tenta regular essa relação. Como? Corporalmente. Conduzido o abraço, o beijo e na forma como Dominique (o dançarino homem) carrega sua companheira. O regulador arma a cena, que se desmancha em seguida. Dominique larga sua companheira no chão, que levanta e o abraça. O Regulador vai de novo, arma o abraço, o beijo e a carrega. Isto se repete várias vezes e em cada vez, mais rápido, mais rápido... com exaustão. Até que o “regulador” sai da cena e o casal continua repetindo o controle. Sem a regulação, os corpos continuam reféns desse tipo de padrão coercitivo. Ou seja, não há mais a necessidade de alguém que diga como se deve abraçar, beijar, etc. Contudo, por mais desconcertante que seja, no domingo, a platéia riu dessa cena. Achando engraçadíssimo. Como disse Amanda, amiga e colega da pós, um tipo de risada cômica, igual como se estivesse rindo de uma das cenas do Zorra Total.

Saímos do teatro, comentando esse fato. Estranhamos, muitooooooooooo! Porque a cena é tão forte, que riso nesse lugar, é um absurdo! Até por se tratar de uma platéia especializada, ou seja, pessoas da dança e que pressupõe outro tipo de olhar. Enfim...

Assim, na sexta (25/09), na disciplina da Helena Katz (Processos Midiáticos e Produção de Conhecimento: Corpo e cognição) foi comentado (por ela) essa situação específica. Helena disse que foi a todas as apresentações dessa temporada, desde o domingo até quinta à noite. E, que em todas as noites, a platéia ria dessa mesma cena. Quatro platéias diferenciadas, da especializada ou não. O que significa dizer, que tem um sintoma aí, que precisa ser entendido. Um sintoma da Cultura. Que aponta para um tipo de despotência que impede nós, seres humanos, de perceber e reverter as formas de controle. E, nessa cena, se é engraçado... só engraçado, não precisa perceber/entender a formulação que carrega uma denúncia/questão. Basta rir e não reverter.


Na aula, Helena conversava sobre Biopolítica, o controle sobre o corpo e a internalização da figura do panóptico (Foucault). E, usou esse exemplo, o riso na cena de Café Muller, para problematizar o poder sobre o corpo e os sintomas da cultura hoje.

O mais grave nessa situação específica, é que a arte tem o papel de desestabilizar e possibilitar outras conexões fora dos hábitos perceptivos. Em outras palavras, desconectar formas assentadas de perceber/sentir e abrir para outras mediações e conexões.

????????????? Como assim? E agora?

“Trilhões” de questões me invadem...

A cena estava montada, forte, exaustivamente desconcertante. Abraço que não se completa. Bocas que não se tocam. Corpo jogado ao chão. Outro abraço que não se completa. Bocas que não se tocam. Corpo jogado ao chão. Outro abraço que não se completa. E, e,e,e,e,e,e,e,e,e....

Eu, ali... desconcertada pela arte e paralisada pelo riso. Refém dessa situação paradoxal: potência/despotência, reversão/comicidade sem propósito. TODOS NÓS.

Eu, você, meu vizinho, minha mãe... todos nós, seguimos paradoxalmente pelas cenas do cotidiano. Cabe a mim, a você meu caro companheiro de Blog, decidir se vamos optar confortavelmente pelo abrigo do Circle de Soleil (como se refere Arnaldo Jabor na postagem abaixo) ou ser ceder ao convite da resistência... Ainda que seja por um tipo de Arte/Dança que nos deixa desconfortavelmente emocionados, justamente pela incapacidade de nomear aquilo que percebemos, mais que faz parte da natureza humana.

sábado, 26 de setembro de 2009

Minha imersão artística em Pina Bausch...


Imagem de Sagração da Primavera - Tanztheater Wuppertal


Mais uma imagem de Pina Bausch...


Pina Bausch - Café Muller


A DESPEDIDA DE PINA BAUSCH POR ARNALDO JABOR...

Pina Bausch partiu deste mundo mau
Por Arnaldo Jabor (O Estado de S. Paulo 7/07/2009)
Pina Bausch morreu. Logo agora que precisamos tão urgentemente de beleza. Quase ninguém falou de sua importância nos cadernos de cultura. Pina Bausch, uma das maiores coreógrafas da história, revolucionou a dança contemporânea, unindo balé com teatro.
Pina era "grande arte" - coisa rara hoje - para nós, que vivemos enganados por uma massificação da poesia, por uma sociologia crítica superficial na arte, por um ufanismo menor ou uma alegria compulsiva de pagodões e pilantragens de mercado para esquecermos o horror social do País. O discurso oficial do oportunismo chapa-branca nos faz acreditar em nosso "futuro glorioso" que não chega nunca. A história brasileira é uma novela de ilusões. Enquanto sonhamos, eles roubam. Enquanto acreditamos no futuro, o sistema político nos mente no presente.
Estas últimas semanas foram feias de ver: além dos escândalos diários, vimos a babaquice do PSDB (ninguém sabe mais o que significam os tucanos), tivemos de aguentar a cara de pau absoluta do Lula com o bigode do Sarney colado no rosto - vemos que a mentira venceu. Seduzido e enganado, o povo ama a hipocrisia e a incompetência. A feiura é saudada como "necessária" na política. Além disso, esse governo conseguiu uma coisa quase "revolucionária": usou tão largamente, tão torrencialmente o jogo de alianças tolerantes com o PMDB para sua única ideologia que é o próprio Lula, que fez jorrar como um esgoto toda a verdade do patrimonialismo do País que, agora, contemplamos, devastados.
Caímos numa espécie de perversão do lixo, um estranho amor pelo circo pegando fogo, uma volúpia pelo excremento, um frisson pela ignomínia. Não temos mais para onde olhar. Tudo é feio.
Foi aí que vi nos jornais que Pina Bausch tinha morrido. E pouca gente entre nós sabe quem ela foi, tirando a turma dos cultos e descolados.
Eu estive com ela uma única vez, num bar em São Paulo, e achei que fumava demais, em cadeia, e tive o temor de um câncer a caminho, por sua trêmula palidez. Pina para mim era um dos pontos luminosos da cultura contemporânea. Talvez seja o (a) artista que mais admirei na vida. Sempre que ela vinha ao Brasil, eu corria para vê-la, para passar duas horas (ao menos...) contemplando a mais pura forma de arte da atualidade. Isso; Pina Bausch conseguiu milagrosamente fazer uma arte que posso até chamar de "terapêutica". Dentro de um mundo violento, humilhado, ansioso por alguma grandeza, ela conseguiu nos dar inúmeros trabalhos cheios de delicadeza e paz. Esquecíamos tudo lá fora e ficávamos somente diante da poesia. E não era apenas o êxtase de uma sinfonia ou um grande filme. Não. A grande arte de Pina, a grande arte em geral, nos deixa ver a máquina leve que organiza a composição estética, o segredo do processo criativo. Ela não nos emocionava apenas; ela nos ensinava. Aquela coisa de "beleza é verdade e verdade é beleza" se realizava em seus espetáculos.
A importância artística de Pina é imensa, pois ela conseguiu descrever nossa época com uma mistura rara de sentimentos: angústia ligada à compaixão. Isso: melancolia com esperança. Há na arte, desde o pós-guerra, o sentimento do absurdo, o horror, a desesperança crítica. Os mendigos de Beckett vagueavam em desertos sem saída. O Estrangeiro de Camus pedia que saudassem sua morte com "vivas" de ódio. Hoje, na literatura, restou um anarquismo sem rumo, detritos masoquistas de uma desesperança superficial, "Kafkas pop", "sub-Joyces" despejando um automatismo narrativo porra-louca e superficial. Isso tem rendido prestígio e "sentido" a muitos idiotas. Muita gente conhecida transformou falta de talento em estilo, ausência de visão de mundo com "assunto". Descrença, desespero e ceticismo são bons para a promoção de falsos gênios. O "nada" dá lucro.
Pina Bausch, que já é filha da guerra fria, nunca esteve nessa. Ela sempre deixou um fio de felicidade passar por entre seus bailarinos solitários, desunidos, dessincronizados, nas tristes roupas cotidianas, pobres ternos, pobres vestidinhos, desamparados transeuntes do nada para o nada. Pina criou um minimalismo afetivo, sem a frieza rancorosa de tantos artistas "engajados", sem a negra alegria de saudar a morte, de festejar a impossibilidade, narrando um juízo final oportunista.Pina sempre viu uma melancólica beleza, "uma intensa luz que não se vê", como cantou Caetano (que também a amava), sempre nos mostrou uma paz dark diante deste mundo pós-WTC, pós-Al-Qaeda, pós-Bush.
Pina Bausch captava o imperceptível. Seus atores/bailarinos/personagens viviam sempre sozinhos, tentando o amor, tentando uma união que se desfazia e renascia.
Pina via com amor nossos clichês e aprofundava-os, salvava-os, raspando-lhes a casca da repetição óbvia. Pina humanizava nossos defeitos, nossos ridículos e nos oferecia a própria vida reciclada com carinho, virando-nos em viajantes de nós mesmos. Seus atores/personagens oscilavam entre desejo e repressão, entre liberdade e medo. Seus espetáculos sempre foram aulas de "grande arte" e, por entre os corpos bailando, percebíamos as influências mais límpidas da arte contemporânea. Víamos Fellini, claro, víamos Chaplin ali, víamos na cenografia o suprematismo, o minimalismo mais espontâneo, sem o velho exibicionismo TOC-vanguardista, víamos Mondrian, Malevitch, víamos os irmãos Marx repetindo as mesmas routines de chanchadas, víamos até Beckett raspado de sua depressão doentia. Ela desenhou, com a espantosa competência poética de seus bailarinos, um painel amplo da melhor criação do século 20.
É isso aí. Quando eu via Pina, eu saía limpo, oxigenado, purificado, pronto para mais uma temporada no inferno da estupidez nacional.Agora que ela se foi, ficaremos reduzidos ao "Cirque du Soleil"...

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Impressões Capturadas...

"O melhor pode ser inimigo do bom, mas certamente o "perfeito" é um inimigo mortal dos dois".
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual, 2003, p. 11

terça-feira, 15 de setembro de 2009

ESSE TAL DESASSOSSEGO...


“O desassossego resulta de uma experiência paradoxal: a vivência simultânea de excessos de determinismo e de excessos de indeterminismo. Os primeiros residem na aceleração da rotina. As continuidades acumulam-se, a repetição acelera-se. A vivência da vertigem coexiste com a de bloqueamento. A vertigem de aceleração é também uma estagnação vertiginosa. Os excessos do indeterminismo residem na desestabilização das expectativas”. [...] A coexistência destes excessos confere ao nosso tempo um perfil especial, o tempo caótico onde ordem e desordem se misturam em combinações turbulentas. Os dois excessos suscitam polarizações extremas, que paradoxalmente, se tocam. As rupturas e as descontinuidades, de tão freqüentes, tornam-se rotina e a rotina, por sua vez, torna-se catastrófica.”. (SANTOS, 2009, p. 41)

Peço licença para fazer conexões. A fala de Boaventura de Souza Santos, de imediato me chega como um acalanto para o meu desassossego artístico, uma possibilidade de entendimento dessa sensação de desconforto com a dança do ventre. E para não cometer um universalismo abstrato, aqui proponho uma questão para meu caro leitor, meu parceiro de BLOG: há algo no universo da dança do ventre que lhe cause certo desassossego? Ou sigo apenas com mais um dos meus devaneios solitários... esquisitices adquiridas nos meus 15 anos de dança?

Poderia chamar de qualquer coisa, ou descrever desassossegos físicos que todos nós temos, como por exemplo: típica agonia que me acomete nas noites de muito cansaço, aonde em vão busco uma posição confortável na cama... e viro, rolo, sento, levanto, deito, jogo as pernas no maridão, taco o travesseiro entre os braços, pernas... enfim... ou no contexto da dança, quando saio fuçando vídeos no youtube a procura de algo que me encante e me sinto como quem troca de canal , ou melhor troca de vídeo, neuroticamente. Vamos para este, ahhh parece bom, ahhh que nada... troca, fuça, troca, desisti.

O meu desassossego é antigo. Acompanha-me a mais ou menos 4 anos. Quando percebi que precisava escapar dos “campos de extermínio” da dança e re-inventar outras formas de me relacionar com a dança do ventre. Fiz muitas tentativas, e o ARABESKUE foi o meu laboratório coletivo, criativo e adaptativo. Fui da coreografia mais tradicional as fusões criativas. Quem não se lembra da GANG, coreografia na qual aproximava a dança do ventre com o HIP HOP? Ou da criação feita por Janah Ferreira, Geovanna Lemos e Rosane Sampaio, que buscava uma re-leitura das PANTERAS?

CORPOSSIBILIDADES... Estratégias de sobrevivência aos excessos de determinismos e indeterminismos que ditavam (ditam) as possibilidades criativas na dança do ventre. COMO SEGUIR? Reconhecer-me nos modos deterministas – estilos de dançar adotados por dançarinas padronizadas ou etiquetar-me “FUSION”- dançarina chegadinha a uma inovação, um MIX, uma fusão bem bacaninha, para causar impacto. COMO SEGUIR? Transitei por ambos modos.


Devo confessar que não solucionei meu desassossego, mas tenho pistas para isso. Neste ponto, cabe apenas partilhar minhas inquietações e pensar que atravessamos um momento de transição na dança do ventre. Espero que a coexistência dos excessos proponha desafios, inquiete e potencialize a feitura da ARTE, que difere do consagrar o consagrado.


Essa é a minha esperança: sair da catástrofe e anunciar outros modos de potencializar a experiência. (o que significa não repetir o consagrado, mais 1x) Ahh!!!! Temos tantas experiências dançantes, foram tantos works, cursos, aulas, etc. O que fazemos com tanta informação? DESPERDÍCIO ou POTÊNCIA? Podemos desperdiçar aexperiência ao reduzi-la a uma pobre cópia, ou.... ESCOLHER potencializa-la com a feitura de uma dança co-autoral/livre.

Quanto ao meu desassossego... tenho algumas pistas para começar a aquietá-lo... não desperdiçar as inúmeras experiências dançantes. O que significa também dizer, exercitar a criatividade, repropondo no meu corpo modos de fazer o oito, o zerão, o zerinho equilibrista, entre tantos outros passos, sem etiquetá-los com os nomes das dançarinas com as quais tive contato/aprendi. Assim como, sair fora dos achatamentos e colagens. CHEGA de achatar as experiências dançantes em pequenas colagens estereotipadas como as que fazemos, ao juntar dança do ventre com ... (aqui você completa, caro leitor, com o estilo de dança que desejar).
Outro dia, vi uma dançarina do ventre fazendo um MIX com tango que sinceramente, parecia uma passista de escola de samba. Roupa de dança do ventre, coroa de sambista na cabeça, 1/2 dúzia de passos combinados e música de tango ao fundo, sem falar no parceiro - el tangueiro - que aparecia espetacurlamente no meio da dança. Não seria mais inteligente pensar nos pontos de contato entre essas duas possibilidades dançantes? Ou na dinâmica dos movimentos, as pernas e/ou o assoalho pélvico como ignições das mesclas?

Enfim, temos uma missão quase impossível.... Mas afinal, quem disse que ser livre é uma tarefa fácil? Que as minhas pistas me levem ao sossego da liberdade, ser livre, sem a necessidade de provar que é livre.
O que desejo a todas nós? – O sossego de poder dançar o que quiser e na hora que desejar, sem as etiquetas/exclusões/empobrecimento que o próprio contexto bellydance nos impõe.

Para quem se interessou pela citação de Boaventura, segue abaixo o livro:
Boaventura de Souza Santos. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência. 2009. Cortez Editora.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Mais uma foto dos meus queridos alunos na Colação de Grau.


A PRIMEIRA VEZ COMO PARANINFA...

Ontem, 31/08/09, foi a colação de grau da turma 2009.1 do Curso de Licenciatura em Dança da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia. Vocês não imaginam como eu estava emocionada... Primeiro porque a escolha do meu nome como paraninfa da turma, me trouxe a valorização de um percurso na Universidade que nem sempre teve o devido reconhecimento e depois, a certeza de que a minha passagem como profa. substituta deixou marcas na vida de cada formando ali presente.

Quando os nossos atos são feitos por amor, colhemos amor. Essa foi a grande lição que aprendi ontem a noite. Que todo o meu “esforço” valeu à pena! A minha busca pelo afeto, pelo processo educacional tecido nas relações cotidianas, no olho a olho, no diálogo aberto, na escuta sensível e na ética de se colocar no lugar do outro. Afinal o que o aluno deseja, muitas vezes é totalmente diferente daquilo que você “pensa” que é necessário. Para tanto, é preciso a disponibilidade para transitar entre campos de saberes/aprendizados, com a finalidade de se fazer uma “liga” que tenha sentido e seja de fato, um processo de produção de conhecimento compartilhado. O aluno não é um depósito bancário, no qual você deposita o conhecimento e ponto final.

Ahhhh... ontem a noite chorei demais. Mal consegui dormir ao chegar em casa. Meu Deus, eu ali... uma professora que teve uma passagem tão curta na Universidade recebendo essa homenagem. Sentada na mesa de honra da Reitoria, ao lado de professores efetivos (que foram os meus professores) e da diretora da Escola de Dança. Longe de ser tomada por uma “vaidade” pessoal, para não dizer fútil... preferi “esvaziar-me” e estar disponível a receber, aprender...

E, sinceramente... a Solenidade de Colação de Grau não foi exclusivamente para eles – Cristiane, Daniela, Ítalo, Mauricio, Mila, Norma, Rita, Roseli e Viviane. Todos ali presentes foram contemplados. Foi tão impactante a auto-apresentação nas sacadas da Reitoria... O que se viu, foi um grupo de formandos com personalidade. Cada qual com sua “identidade artística”, sem medo de mostrar a cara ! Um exercício de CORAGEM e AUTONOMIA. Ainda mais hoje, onde vivemos um campo de extermínio para os artistas que não fazem parte do lado da Dança Contemporânea.

Foi um PRESENTE , ver duas alunas/colegas/profissionais de Dança do Ventre ali representadas! Roseli e Ritinha! Parabéns! Nossa arte ocupando mais espaços na Universidade!

Sem falar no sentimento de honra em colar grau... A emoção dos pais, familiares... A reverência a DEUS! A solenidade teve um sentido devocional, quase um CULTO!!!

Fiquei tão mobilizada internamente, que me fiz vários questionamentos... o percurso acadêmico nos deixa tão endurecidos. E, sinceramente... tudo que eu precisava era da energia, emoção de vocês...

Obrigada. Obrigada. Obrigada.

Que Diversidade!


Meus queridos afilhados! Todos agora Licenciados em Dança.


DISCURSO PARANINFA - CURSO LICENCIATURA EM DANÇA 2009.1

Excelentíssima Diretora da Escola de Dança, Profª Doutora Dulce Aquino, Prezados Professores e Funcionários Homenageados, em nome da qual saúdo os demais membros da mesa, Srs. Pais, familiares e demais convidados, Meus prezados afilhados formandos da turma de 2009.1.

Boa noite!

Quero iniciar, agradecendo, uma vez mais, o carinho com que vocês, meus alunos, me distinguem em uma homenagem tão bonita quanto essa – ser paraninfa da turma. Não dá para descrever com palavras a alegria que senti quando Roseli me trouxe a notícia da escolha do meu nome, e a emoção que sinto nesse momento. Quero, de antemão, pedir licença para compartilhar essa homenagem com meus colegas professores que, com igual disponibilidade e afeto, dedicaram-se à formação de todos vocês.

Quando pensei em escrever esse discurso, perguntei-me primeiramente quais os motivos da minha escolha. Depois, o que dizer nesse momento tão importante e de que forma eu deveria dirigir-me a vocês. Pensei como ponto de partida, refletir a dança enquanto campo de conhecimento e no modo como esse entendimento hoje redesenha o campo de atuação do graduado em dança. Mas cheguei à conclusão de que deveria partir do afeto que nos aproxima e me fez estar aqui essa noite, falando para cada um de vocês - Cristiane, Daniela, Ítalo, Maurício, Mila Rafaela, Norma, Rita, Roseli e Viviane. Afinal, a convivência que tivemos nos dois anos em que fui profa. substituta da escola de dança, possibilitou um espelhamento de sentimentos, pensamentos e atos, que nos fizeram cúmplices das nossas escolhas. Seja a minha de seguir a carreira acadêmica (hoje no Doutorado de Comunicação e Semiótica da PUC-SP), ou a de vocês, a partir dessa nova etapa de vida.

Nossa cumplicidade! (pausa), que me faz entender a minha escolha como uma a escolha de um percurso, não a escolha pessoal da professora- amiga Márcia Mignac, e sim o interesse de vocês em privilegiar um percurso que teve como eixo central a Universidade. Ou seja, o modo como alguém se relaciona com o conhecimento coletivamente partilhado, tornando este indispensável e gerador de possibilidades e co-autorias.

Diante disso, começarei a pontuar trilhas do meu percurso, no sentido de compartilhar experiências, para que nesse início de uma nova etapa de suas vidas, vocês possam refletir a respeito.

Como é do conhecimento de muitos de vocês, eu sou uma cria da Universidade Federal da Bahia. Aliás, todos nós somos! Ex-Médica Veterinária que movida por sonhos (guardem essa palavra – SONHOS), abandona a profissão para trilhar um percurso dançante. Durante os 15 anos que estive abrigada na Escola de Dança, criei diversas estratégias de continuidade e sobrevivência: graduei-me em Dança, fui professora de dança do ventre dos cursos livres, desenvolvi projetos de extensão, ministrei aulas na graduação e obtive o título de Mestre no Programa de Pós- Graduação em Dança.

Escolhas, nas quais, a Universidade foi se mostrando indispensável para mim e para minha carreira profissional.

Veja bem, aqui, temos uma das possíveis maneiras de se relacionar com a Universidade, e que de alguma forma interessa a todos nós. Pois suscita vários questionamentos. Afinal, o que é que a gente faz ao sair da Universidade? Como dar sentido ao conhecimento co-produzido? Volta para a Universidade? Todo mundo tem que voltar para a Universidade? Não. Nem todo mundo precisa voltar para a Universidade. Existem médicos, engenheiros, artistas... que são encaminhados imediatamente ao mercado de trabalho, e se tratando especificamente, da nossa classe – dançarinos, intérpretes, criadores, professores de dança - onde a profissionalização acontece em paralelo com a formação acadêmica, muitos de vocês já se encontram inseridos em escolas , ONGS, pontos de cultura, coletivos de dança ou trilham uma carreira artística independente.

O que importa é perceber o seu papel enquanto produtor e articulador do conhecimento. Onde quer que você se encontre: nas micro-ações do cotidiano, seja no mercado de trabalho ou na Academia. Que de fato, você faz parte da relação de co-dependência entre os que estão dentro e fora da universidade. Pois, os que estão dentro abastecem os que estão fora. E os que estão fora, abastecem os que estão dentro. Na verdade, não existe essa linha limítrofe entre o dentro e o fora. São processos que se constituem. Está tudo misturado.

O que implica dizer, que TODOS NÓS SOMOS ‘RESPONSÁVEIS’ pelo tipo de entendimento/pensamento abrigado no nome DANÇA. Ainda mais agora, que unimos “esforços”, artísticos, políticos e epistemológicos para fazer valer a dança enquanto campo de conhecimento.

Queridos, vamos carregar a universidade para o resto da vida. A coleção de informações que acessamos aqui é/está no corpo e continua operando no corpo. Não cessa ao sair da Universidade. Pelo contrário, suscita inquietações, proposições, relocações e atuações. A Universidade será uma das nossas referências, um ponto de partida, para nosso modo de atuar na sociedade.

E, cabe a cada um de nós descobrir, inventar, re-inventar nossos modos de funcionamento.

Eu, realmente acredito que em algum momento da vida de vocês, talvez entendam o diferencial de ter sido graduado (a) na Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia. Ainda que agora junto com o sentimento de dever cumprido, venham às críticas ao curso, frustrações pessoais e o enfrentamento das situações-limite próprias de quem escolhe a vida artística enquanto carreira profissional. Mas acreditem, hoje nós fazemos parte da ELITE da dança no país e a referência da nossa escola enquanto instituição pioneira – com a 1ª Graduação e Pós-Graduação de Dança no país tem um grande valor, peso, no meio acadêmico. Falo assim, porque eu mesma, nesse trânsito entre o eixo nordeste-sudeste, pude perceber o quanto fazer parte dessa instituição é valorado pelos profissionais da dança de outros estados.

Para tentar finalizar a nossa conversa, continuo com um precioso conselho: nunca deixem de sonhar. Lembram que pedi no início da minha fala para guardar a palavra sonhos? Pois, bem. Seria impossível chegar até aqui, sem eles. E, eu digo mais, será impossível dar continuidade a essa etapa da formação de vocês sem a ignição do sonho para apontar outros percursos e possibilidades. De acordo com Paulo Freire, na Pedagogia dos Sonhos Possíveis, “sonhar é imaginar horizontes de possibilidades” e “o impossível se faz transitório na medida em que assumimos a co-autoria dos sonhos possíveis”. Então, queridos alunos, assumam seus sonhos! Eu assumi os meus. Quando entrei na graduação de dança em 1995, eu disse a mim mesmo: um dia vou ser professora da universidade. Hoje, vocês realizam o sonho da colação de grau. Coincidências a parte, estou aqui com vocês, celebrando os nossos sonhos.

Aos queridos pais, quero agradecer por apostarem nos sonhos dos seus filhos, assim como os meus fizeram um dia.

No mais gostaria de dizer que estarei aqui, de braços abertos, com muita satisfação e alegria para recebê-los, seja para ajudá-los em alguma coisa (Normicha essa semana saí o nosso encontro) ou mesmo para conversar zilhões de coisas, pois conversa é que não falta!

E por fim, pedir que não se esqueçam que Deus é fiel. Caminhem na perspectiva divina, que Deus fará prevalecer os seus sonhos.

Um forte abraço a todos e muito obrigada!