No último encontro do CED/PUC/SP- Centro de Estudos da Dança, coordenado pela professora Helena Katz, algumas questões levantadas a respeito da dança contemporânea soaram tão familiar que peço licença para migrá-las (com as devidas ressalvas) para “nossa” dança do ventre. Vamos lá...
Quem nunca viveu a sensação de ir a uma Noite Árabe e ver uma enxurrada de “mesmos”? Como se ligasse o piloto automático e se reproduzisse um entendimento que serve a todos. Como por exemplo, o estilo clássico, com a mesma entrada de véu e uma combinação de movimentos que ganha certa estabilidade para não dizer previsibilidade. Obrigando muitas dançarinas a buscar a dança clássica e a repetir o que está “na moda’, desobrigando-as a dançar o que realmente gostariam. Eu mesma, já ouvi de uma grande dançarina em SSA que para ela era um “desafio” aventurar pelo estilo clássico, ainda que não fosse o seu desejo de fato. Como é difícil escapar disso! Parece que certas escolhas ganham estabilidade, gerando um tipo de entendimento de espetáculo que se torna autônomo. Quando a gente vê, olha ele ali em cena, várias vezes, muitas vezes... formaliza-se no circuito... O que gera a seguinte situação: o consumo de uma determinada idéia, um marcador de mercado que formaliza um modismo! Tão diferente da possibilidade da idéia mover o ambiente da dança, gerar outros entendimentos e romper com o que é “in”.
...
Aqui, lanço a pergunta- título desse texto: será que a gente precisa de tanta produção do mesmo?
A reprodução dos mesmos é um traço/sintoma que vem acontecendo na dança contemporânea e na dança do ventre. É claro que com contextos diferentes. Para a dança do ventre, que é a minha vivência, tenho algumas hipóteses. Mas por agora vou me ater apenas a uma, ou seja, o acesso instantâneo ao mercado. Muita gente vira professora em poucos meses. Quase todas as alunas são seduzidas para se apresentar na mostra de final de ano. Isso independe da qualificação ou do tempo que se tem de estudo na área. TODO MUNDO JÁ É DANÇARINA DESDE SEMPRE! O que perde a possibilidade de experimentar, exercitar a criação e processo de investigação da sua assinatura pessoal. De exercitar escolhas. Afinal temos um cardápio tão vasto na dança do ventre, do folclore, ao POP, ao clássico, as fusões, etc. A pressão de ter um produto é tão grande, que acaba-se trilhando o caminho dos mesmos. Recorre-se o que está estável no mercado.
Mais perguntas: todo mundo tem que dançar no final de ano? Por que tem que virar produto? Arte é produção em grande escala?
Um agravante: o público legitima essa fábrica de dançarinas precoces. A pessoa está ali no palco, todo mundo levanta e grita: arrasou, huuuuuu, linda! Quem vai dizer que não é dançarina?
Outra questão que ajuda na legitimação de dançarinas precoces: a facilidade de acesso a material pronto na internet. Basta procurar um bom vídeo no youtube e copiar! Copia-se tudo. Música. Coreografia. Roupa. Maquiagem. Consagra-se o consagrado. Escolhe-se o marcador do mercado.
É preciso romper com essa lógica de consagração dos mesmos. E da super produção de produtos e inserção precoce no mercado. E a “culpa” é da estrutura, onde todos têm que sobreviver. Desde quem é dono de escola e precisa colocar “trocentas” pessoas em cena na apresentação de final de ano, a aluna que sonha com o dia da apresentação ou os amigos/familiares que perguntam: e aí vai dançar quando? Como se apenas o palco legitimasse a dança.
Sinto saudades do tempo em que a falta de acesso aos conteúdos da dança do ventre (DVDs, vídeos na web, etc), não nos deixava outra opção: criar nossas coreografias sem a ditadura de um modelo suspenso. Exercitava-se a experimentação. São raras as pessoas que hoje buscam inspiração nesses modelos, só inspiração, um frescor, oxigênio mesmo, que ventile outras possibilidades que dizem respeito do nosso corpinho e do nosso processo cognitivo e, não do corpinho do outro.
Os vídeos estão ai. O acesso está ai. Porém cabe a nós entender que fazer arte não é reduzir a dança as mesmas escolhas (copiou-colou). É preciso buscar oxigênio. Ou continuaremos a ir ver os espetáculos com as mesmas caras, previsíveis, com as mesmas frases prontas (Linda! Arrasou! Adorei a roupa!), repetindo a mesmice. Mesmice no palco e fora do palco. Somos todos constitutivos e temos a arte que fazemos parte. Que arte queremos ter? que dança queremos fazer?
Por favor... porosidade... oxigênio... mais vozes...
Quem nunca viveu a sensação de ir a uma Noite Árabe e ver uma enxurrada de “mesmos”? Como se ligasse o piloto automático e se reproduzisse um entendimento que serve a todos. Como por exemplo, o estilo clássico, com a mesma entrada de véu e uma combinação de movimentos que ganha certa estabilidade para não dizer previsibilidade. Obrigando muitas dançarinas a buscar a dança clássica e a repetir o que está “na moda’, desobrigando-as a dançar o que realmente gostariam. Eu mesma, já ouvi de uma grande dançarina em SSA que para ela era um “desafio” aventurar pelo estilo clássico, ainda que não fosse o seu desejo de fato. Como é difícil escapar disso! Parece que certas escolhas ganham estabilidade, gerando um tipo de entendimento de espetáculo que se torna autônomo. Quando a gente vê, olha ele ali em cena, várias vezes, muitas vezes... formaliza-se no circuito... O que gera a seguinte situação: o consumo de uma determinada idéia, um marcador de mercado que formaliza um modismo! Tão diferente da possibilidade da idéia mover o ambiente da dança, gerar outros entendimentos e romper com o que é “in”.
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Aqui, lanço a pergunta- título desse texto: será que a gente precisa de tanta produção do mesmo?
A reprodução dos mesmos é um traço/sintoma que vem acontecendo na dança contemporânea e na dança do ventre. É claro que com contextos diferentes. Para a dança do ventre, que é a minha vivência, tenho algumas hipóteses. Mas por agora vou me ater apenas a uma, ou seja, o acesso instantâneo ao mercado. Muita gente vira professora em poucos meses. Quase todas as alunas são seduzidas para se apresentar na mostra de final de ano. Isso independe da qualificação ou do tempo que se tem de estudo na área. TODO MUNDO JÁ É DANÇARINA DESDE SEMPRE! O que perde a possibilidade de experimentar, exercitar a criação e processo de investigação da sua assinatura pessoal. De exercitar escolhas. Afinal temos um cardápio tão vasto na dança do ventre, do folclore, ao POP, ao clássico, as fusões, etc. A pressão de ter um produto é tão grande, que acaba-se trilhando o caminho dos mesmos. Recorre-se o que está estável no mercado.
Mais perguntas: todo mundo tem que dançar no final de ano? Por que tem que virar produto? Arte é produção em grande escala?
Um agravante: o público legitima essa fábrica de dançarinas precoces. A pessoa está ali no palco, todo mundo levanta e grita: arrasou, huuuuuu, linda! Quem vai dizer que não é dançarina?
Outra questão que ajuda na legitimação de dançarinas precoces: a facilidade de acesso a material pronto na internet. Basta procurar um bom vídeo no youtube e copiar! Copia-se tudo. Música. Coreografia. Roupa. Maquiagem. Consagra-se o consagrado. Escolhe-se o marcador do mercado.
É preciso romper com essa lógica de consagração dos mesmos. E da super produção de produtos e inserção precoce no mercado. E a “culpa” é da estrutura, onde todos têm que sobreviver. Desde quem é dono de escola e precisa colocar “trocentas” pessoas em cena na apresentação de final de ano, a aluna que sonha com o dia da apresentação ou os amigos/familiares que perguntam: e aí vai dançar quando? Como se apenas o palco legitimasse a dança.
Sinto saudades do tempo em que a falta de acesso aos conteúdos da dança do ventre (DVDs, vídeos na web, etc), não nos deixava outra opção: criar nossas coreografias sem a ditadura de um modelo suspenso. Exercitava-se a experimentação. São raras as pessoas que hoje buscam inspiração nesses modelos, só inspiração, um frescor, oxigênio mesmo, que ventile outras possibilidades que dizem respeito do nosso corpinho e do nosso processo cognitivo e, não do corpinho do outro.
Os vídeos estão ai. O acesso está ai. Porém cabe a nós entender que fazer arte não é reduzir a dança as mesmas escolhas (copiou-colou). É preciso buscar oxigênio. Ou continuaremos a ir ver os espetáculos com as mesmas caras, previsíveis, com as mesmas frases prontas (Linda! Arrasou! Adorei a roupa!), repetindo a mesmice. Mesmice no palco e fora do palco. Somos todos constitutivos e temos a arte que fazemos parte. Que arte queremos ter? que dança queremos fazer?
Por favor... porosidade... oxigênio... mais vozes...
CHEGA DE UMA HIPERTROFIA DE VOZES QUE NÃO PODEM SER DIFERENTES!
A gente não precisa de tentativas de clones. Como público, me cansa ir para um show e só ver dançarem clássica. É um porre. Mas discordo de vc em um ponto: acho que aluna tem que se apresentar sim. O palco é um aprendizado, mas se preparar para o palco é um aprendizado ainda maior. Estudar, criar uma coreografia, escolher uma música que caiba na gente... tudo isso faz parte de um processo de aprendizagem. Não vejo como uma aluna pode evoluir na dança sem dançar.
ResponderExcluiroi lory
ResponderExcluirTalvez não tenha ficado tão claro o que pretendia dizer. Também concordo que o palco é um grande aprendizado e que estudar a coreografia para uma apresentação é sem dúvida um processo formativo. Mas a questão não é essa. O ponto em questão é a pressão do "ter que" se apresentar, o que de alguma forma pode precipitar uma apresentação precoce, sem amadurecimento, sem um mínimo preparo e comprometimento. Move-se apenas pela cultura espetacular!!!! O que implica na falta de qualidade e na repetição das fórmulas prontas. Sempre incentivei as minhas alunas ritualizarem essa passagem para o palco e acredito que só se aprende dançar assim. Contudo, em paralelo incentivava a pesquisa, o estudo e o processo do se tornar dançarina. Enfim... para um passarinho dar seu 1º vôo é preciso toda um amadurecimento muscular das asas... é nisso que acredito... o fazer-se para... porque aqui peço licença para repetir uma frase da Luana Mello: será que o prematuro sobrevive? E... tudo tem uma implicação que não deve ficar debaixo de um grande guarda-chuva chamado arte... bjs e obrigada pelo comentário.
Entendi agora sua colocação e, de fato, é pertinente. Mas fico pensando quem sobrevive nesse campo sem atender aos apelos comerciais da DV: e um deles é que a menina, mesmo com apenas 6 ou 7 meses de aula, precisa se apresentar no final do ano pra família que banca suas aulas "veja" o resultado do "investimento". Triste, né? Mas é parte do discurso que tenho escutado por aí...
ResponderExcluirTalvez a solução sejam as aulas públicas que são eventos menores e que dão esse caráter de aprendizado... Tb fico pensando que crueldade é colocar alguém tão verde em cima de um palco de teatro...
Eu fui dançar (em grupo, é verdade) com apenas alguns meses de aula e foi uma experiência terrível. Se eu não tivesse fazendo terapia na época, acho q tinha largado a dança...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNuma sociedade apressada, onde a infância dura cada vez menos, onde tudo é descartável e efêmero, a dança acaba reproduzindo essa dinâmica.Falta aos ditos professores conceber a dança como um fazer criativo e cognitivo. O palco é uma consequencia e não o fim. Aliás, para muitos e muitas que entram numa dança, nem sempre o palco é desejado.
ResponderExcluirConcordo contigo, Marcinha. tenho as mesmas inquietações.
Beijo!
Vivi
aaaaaaaaaaaa amei esse post !!!
ResponderExcluirAté porque sempre fui livre na minha dança!
Eita marcinha quando vc falou ali da falta de acesso fácil a videos dvds etc...onde criavamos nossas coreos só me veio em mente o carrossel, Magal, salsa, e marina de libanesa vai ao shoping, uauuuuuuuu panterasssss! vc tem razão!
Eu como professora nunca mas nunca mesmo forcei aluna a participar de festival, sempre deixei isso super hiper a vontade que no final elas iam porque ia ser massa estarmos todas juntas no palco lembro que as outras alunas da escola estressadissimas para entrar no palco e eu e minhas alunas jogando dominó no camarin!!! e como curtiamos e aprendiamos o melhor uma com a outra!
beijos
Olá pessoal! Na maioria das vezes eu acho que o que influencia é a pressão na sala de aula, resumindo em: " ...todas dançarão, menos eu..". Sou aluna de DV há 4 anos, amo esta arte, me sinto plena qdo estou dançando, seja onde for, num palco ou até mesmo no meu quarto sozinha. Mas no momento estou parada, sem frequentar aulas, pois acabei me cansando dessa "enxurrada de mesmos" como disse Márcia. Chegou ao ponto de eu achar tudo muito automático... aprender passos para fazer coreografias para o próximo evento, aprender passos para fazer coreografias para o próximo festival..etc. Alunas deslumbradas com roupas, com os convidados que as assistiriam, fazendo poses para tirar a melhor foto para pôr no Orkut...etc. Diante de tudo isso surgiu o meu vazio, e logo de algo que estava me preenchendo tanto! Hoje não sei por onde recomeçar, já são seis meses sem dançar. Não sei se volto às aulas e reencontro os “mesmos”, ou... ñ sei! Desanimei! Enfim, é isso!
ResponderExcluirUm forte abraço a todas!
bjs
Paula
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirmais do que legitimar a fábrica de dançarinas precoces, o publico interno (leia-se dançarinas, e não paltéia) legitima o "mais do mesmo".
ResponderExcluirNinguém mais quer se dar ao trabalho de criar algo inovador e correr o risco de não receber por isso os aplausos e reconhecimento do meio da dança oriental. Portanto, é mais facil e mais cômodo seguir as fórmulas mágicas de sucesso instantâneo.
Fazer os workshops de todas as famosas (principalmente se forem gringas, pq no Brasil a valorização do trabalho de fora é muito maior que do produto interno), usar as músicas da moda, copiar os trajes das tops de mercado, e além disso, suas caras e bocas, seu repertório de passos etc e tal.
Só esquecem, infelizmente, que com isso estão apenas repetindo infinitamente o que já foi feito aos montes por aí, e perdendo a excelente oportunidade de ter um reconhecimento real por seu trabalho, e não apenas as congratulações de praxe que, pela boa educação, costumamos dar àquelas que acabaram de sair do palco.