É nato do homem uma tendencialidade a classificar coisas, nomear, fazer
topologias em caixinhas e guardá-las lá. E diante dessa constatação fico
imaginando o quanto temos “alargado” essa caixinha – dança do ventre – para caber
tantas famílias de movimentos, estilos, padrões, modismos, escolas, nomes de
professoras e bailarinas, que transitaram e transitam nessa prática “sem
fronteiras”.
ABRE
JANELA:
Coloco
“sem fronteiras” entre aspas, uma vez que a ausência de fronteira que me refiro
é a geográfica. Afinal a dança do ventre faz parte do mundo globalizado.
Dança-se no Japão, no Egito, na Bahia e em São Paulo.. . Assim
como em tantos outros lugares. Talvez, o melhor fosse escrever – “fronteiras
móveis”.
Contudo,
me parece que existe outro tipo de demarcação, que é cada vez mais real e
excludente do que nunca: as fronteiras mercadológicas, que territorializam a
dança do ventre em nomenclaturas escolares e particulares. Que me faz pensar, que estamos muitas vezes
reduzindo a dança ao contexto “particular”, e o mais grave globalizando o
particular, sem ao menos refletir sobre isso. Um exemplo é o número de
práticas/danças achatadas em um nome – Técnica Maria... Técnica Joaninha...
Técnica Luluzinha... Nomeações particulares, finalizadas com o seguinte
enunciado: A Arte da Dança do Ventre. Quem nunca se deparou com: Fulaninha tal,
a Arte da Dança do Ventre?!!!! Como se a
dança do ventre tivesse um nome ou um sobrenome. Ou como se essa técnica
particularizada/nome fosse a “carteira de identidade” de quem deseja fazer
dança do ventre. Você já pensou que seu nome na dança do ventre pode ter muitas
Marias, Joaninhas, Luluzinhas e isso ser uma etiqueta mercadológica e não a
livre escolha de se fazer Arte/Dança?
E
daí advém à segunda “encrenca”... Como definir a dança do ventre? Na minha caixinha tem tantos nomes. Que me
pergunto: o que cabe nela? O quanto está alargada... È dança do ventre ou
“danças do ventre”?
Vamos
ao exercício...
Tente
responder: O que é dança do ventre, afinal??????
Fico
imaginado a natureza das respostas. DANÇA DO VENTRE É... Pode-se TENTAR
responder a partir de uma escolha conceitual, de uma prática de atuação, da
historiografia ou de uma simples descrição do vocabulário, apoiada nas famílias
de movimentos. E mesmo, respondendo a partir de todas essas possibilidades, não
esgotaremos a resposta nunca.
Fico
pensando nesse desafio... E de como seria bem construtivo criar um corpo de
argumentos capaz de dar conta dessa resposta e localizar o que há nessa caixinha,
chamada dança do ventre. Afinal já passou a hora de construirmos respostas
diante de tantos fazeres inapropriados.
Parto
para o desafio. E não é que me pego comparando o que poderia “chamar de dança
do ventre”???? Isto sim. isto não. Ou
isso ou aquilo. Vejo que colado com
minha tendência classificatória – arrumar tudo dentro de um nome vem outra
tendência: a de comparar diversas manifestações da dança do ventre. Parto para valoração
de estilos, técnicas e bailarinas. Ahhh... tal técnica é a melhor, o estilo tal
é o verdadeiro, etc. Um processo de escolhas guiado por uma eleição que
hierarquiza A em função de B, como se isso resolvesse a responder o que cabe na
dança do ventre. Penso que muitas
escolhas se tornam “senhas”, senhas que não abrem para reflexão e se quer para
uma discussão sobre. Engessa o nosso
olhar e abre espaços para a estabilização de estilos.
Nossa
tendencialidade comparativa é interessante enquanto exercício na elaboração de
argumentos, porém incabível em juízos de eleição. Eleger é reduzir diálogos,
outras percepções, é dar um foco particular a uma dança que tem como mapa
fronteiras móveis. É particularizar o que é livre de combinações e
possibilidades.
Desafios/encrencas
postas... Se não bastasse responder o que é “dança do ventre?” Como nos
colocamos diante do plural: “danças do ventre”? É mais confortável pensar
assim? Ajuda a alargar mais a caixinha? E enquanto dançarina intérprete, como
preparar meu corpo diante de tantos particulares? Qual a informação/dança a
seguir/apropriar-me para estar no mercado? E se eu não grifar nenhuma em
particular? – Meu corpo tem a escolha de rejeitar o recurso de sublinhar
técnicas? E daí, como meu corpinho fica?
Pertenço ao mercado ou não? Qual será o meu passaporte? Um passaporte com
fronteiras móveis ou particulares? E além do nome (técnica de fulaninha tal), o que
deveria destacar? Qual a intensidade/grifo que devo dar a essa técnica no meu
corpo? Um pouco mais da técnica X, uma pitada da técnica da fulaninha tal...
Não
pretendo aqui responder minhas inquietações, apenas colocá-las na mesa. Acho
que de partida, já é um bom exercício. Ou quem sabe uma provocação para ajudar
a pensar no quanto caímos na cilada de reduzir a dança a territórios
particulares. Delimitar fronteiras, que de algum modo se tornaram móveis?
Gostaria
de ir na contramão das tendências de padronização da dança em fazeres
particulares. Uma voz que ajude a propagar que a dança enquanto expressão
ARTÍSTICA, não se reduz a uma política mercadológica. E, se houver ainda
diversidade para o exercício de escolha – porque nem sempre quantidade
significa pluralidade, se possa escolher ciente do para quê? Principalmente
porque a inserção no mercado da dança do ventre e a empregabilidade estão
diretamente proporcionais as escolhas feitas. Dança-se pelo que essa escolha
representa - a filiação mercadológica. Este é o passaporte, a grife que
você dança.
Neste
cenário que às vezes parece incluir, mas que tende a exclusão, como prosseguir
sem o desejo de etiquetar meu corpo, mas usar das diversos grifos particulares
para a construção de uma dança co-autoral (sem autorias impostas)? Estar no
palco – dançar sem escolher a música da
moda, a roupa do atelier da moda, ao grifo particular – etiqueta filiada,
coleções de passos pré-determinados e muitas vezes já conhecidos pelo público,
que também é uma réplica desse sistema?!!!! Enfim... Será que o que nos resta
hoje, é embrulhar a caixinha da dança do ventre com papel etiquetado por alguma
grife do mercado?
Mais
do que esgotar respostas... Deixo esse texto como resposta a minha capacidade
de indignar-me, em específico com um sistema que denomina dança/arte um corpo etiquetado.
Oi, Márcia!
ResponderExcluirVi o endereço do teu blog lá no orkut e estou navegando por ele e encontrando coisas mto interessantes.
Agora eu e meu blog AVES DO BRASIL EM HAIKAI seguimos vc!
bEIJOS.
Márcia, achei o texto e as reflexões extremamente pertinentes para esse momento fútil da estratosfera virtual bellydancer.
ResponderExcluirEu não sigo tendência de mercado porque minha inspiração são as bailarinas antigas e todos a veneram, mas ninguém quer dançar como elas.
Só que pra mim é fácil: não sou, nem pretendo ser uma profissional da dança.
Meu "amadorismo" me dá a liberdade de escolher o meu estilo.
As amarras me parecem um desafio imenso para quem optou por viver financeiramente da dança.
Estou compartilhando esse texto.
Parabéns!
Obrigada queridas. Preciso fazer uma revisão na pontuação do texto... já já faço isso. É que vou escrevendo enlouquecidamente, sem tempo para correções. Elisa não me deixa... e o doutorado também. Mas as ideias estão postas!!!!! beijinhos
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