sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

QUANDO O ABSIMO SE ESTABELECE...

Cena do Cotidiano:

Qual é a sua profissão? – Professora de Dança. Ou Dançarina.
Possíveis situações a seguir:
- silêncio
- sorriso meio sem graça de quem fez a pergunta somado a uma enxurrada de frases totalmente sem propósito (Que legal, pelo menos não tem stress. Você dança o quê? Sabe dançar tudo, não é mesmo?, etc.)


Quem nunca passou por uma situação dessas? Como também preencher a ficha de consultório médico e a atendente olhar para você como se fosse um ET ou nas piores situações ser apresentada como a dançarina da família. Em meu caso específico, some-se a isso a tentativa de se justificar a escolha com um currículo extenso. Minha mãe sempre completa com a seguinte frase: ahhh, Márcia também é veterinária ou então... ela fez faculdade de dança, mestrado e agora está no doutorado. Tentativas de dar um diferencial, aqui, entendido como um “status” ou até mesmo uma legitimação intelectual a escolha pela área da dança.

Desde que me entendo por gente foi assim. Aos 17 anos quando prestei vestibular, minha opção inicial era a dança. Mas... ouvi de meu pai os seguintes argumentos: Dança não é profissão! Não dá dinheiro! Faz Medicina, Direito... e segue fazendo suas aulas de balé.

Não teve jeito... o chamado era mais forte. Depois de me graduar em Veterinária e ter condições de me sustentar, corri para a dança.

Mas vamos analisar esse abismo que se faz presente na vida de quem escolhe a área de dança como profissão.

Seria culpa de René Descartes?
René Descartes (1596-1660) foi filósofo, físico e matemático francês. Destacou-se por ser conhecido como fundador da filosofia moderna e ter influenciado o Pensamento Ocidental.

Descartes com o seu rigor matemático e racionalista foi responsável pelo cartesianismo ou pensamento cartesiano, uma oposição ao empirismo da época. Nesta direção, acreditava que Deus criou o universo como um mecanismo perfeito. E em relação à ciência só se poderia dizer que algo existIa quando provado. Assim, dividiu a realidade em res conngitas (consciência e mente) e res extensa (corpo e matéria).

Desse jeito, a distorção ideológica estava posta. Levando as gerações de filósofos seguintes a reforçar o entendimento da mente e corpo como duas instâncias separadas. Daí vem todos os equívocos que vivenciamos hoje, principalmente o entendimento da mente como nossa parte pensante a subjugar e comandar o corpo (veja aqui no Blog a postagem sobre Dança e Cognição).

Basta prestar um pouco mais de atenção na forma como falamos, nas propagandas veiculadas na mídia e na forma como fomos educados. Vamos lá... “Inteligente é aquele que usa a cabeça”! Foi mais ou menos com um argumento desses que até pouco tempo a propaganda do supermercado Carrefour pregava o pensamento cartesiano. Com a garota propaganda - Ana Maria Braga - sugeria que os clientes usassem a cabeça na hora das comprinhas, ignorando todo o corpicho!Sem contar frases imortais que ouvimos deste criança: “quem não pensa o corpo padece”. Como se só agíssemos certo quando pensamos com a cabeça – lócus da razão.

Coitado dos nossos corpichos! Foram renegados, ditos como parte insana, emocional e até mesmo traidora. Afinal, a área jurídica se utiliza desse argumento para aliviar a sentença de muitos réus. Como se movidos pela emoção tivéssemos perdido totalmente nossa capacidade de raciocinar e de nos responsabilizar pelos nossos atos. Não é a toa que muitas vezes após sermos tomados por alguma emoção abrupta, dizemos a seguinte frase diante da possibilidade de proferir alguma palavra: “deixa eu me recuperar”. Como se fosse preciso voltar à razão para garantir a produção de um conhecimento/fala confiável.

Assim, temos a seguinte topografia:

MENTE/CABEÇA: lócus da razão e, portanto, da cognição.
CORPO: lócus do sentimento e das emoções, sem chance alguma de produzir conhecimento confiável e duradouro.

E, agora José? Como tratar o corpo que dança?
Falar de Corpo, como se sabe, é também falar de dança. Ainda que o senso comum equivocadamente associe APENAS “sentimentalidades” ao corpo que dança. Ora se o corpo só expressa emoção e sentimento, o que se esperar da sua dança? Nada mais que uma fala indizível, que se basta na sua auto-apresentação.

Por conta do Pensamento Cartesiano associamos erroneamente a dança como uma arte menor, um fazer que se basta no efeito produzido em nós. Por isso não é raro acharmos pessoas que acreditam que dança não é profissão ou que para se dançar não precisa de estudos. Pensar, para quê? Pensar demais estraga! Basta sentir, basta dançar! Sinta! Sinta! Se entregue! (quantas vezes já ouvi isso!)

Sou tomada por indignação quando ainda existem pessoas que se surpreendem com o fato de existir faculdade de dança ou pior, um Programa de Pós-graduação/ Mestrado em Dança. Como se para seguir a carreira de dançarino profissional ou licenciado em dança bastasse apenas o dom de dançar ou fazer cursos aleatórios em academias. Nada contra a quem segue essa trilha. Mas, pelo amor de Deus, é preciso entender que um profissional da área de dança, como todas os outros profissionais, ambos necessitam de uma validação acadêmica para sua formação. O que me faz diferente de alguém que escolhe ser advogado, médico ou pedagogo? AMBOS TEMOS A OPÇÃO DE UMA TRAJETÓRIA UNIVERSITÁRIA PARA TRILHAR. EU DISSE: AMBOS!

É uma pena que somos todos reféns da tirania da razão, onde só se legitima áreas que privilegiam o mental. O que faz das artes do corpo, artes menores, desacreditadas e muitas vezes vistas apenas como puro entretenimento e não como produtoras de conhecimento.

Invertemos o jogo...

Aqui trarei o entendimento da dança como uma ação cognitiva para que pessoas da área de dança, não se sintam mais constrangidas com situações cotidianas descritas no inicio do texto.

Para tal tarefa, é preciso entender que o processo cognitivo acontece no corpo (entendido como mente e corpo inseparáveis) e, principalmente em um corpo não separado das experiências cotidianas.

Nesta direção, a dança tem como local de ocorrência imediata o corpo e dessa forma, favorece o corpo conhecer-se e a produzir conhecimento a partir do seu fazer. Ou seja,conhecimento a partir das ignições sensório-motoras provenientes do seu feitio.

Entendimentos esses que colaboram para a percepção do corpo não apenas como local de implementação da experiência/dança, mas também enquanto local de cognição e formação de conceitos. Para isso, é preciso pensar o corpo fora da noção dos binarismos, a exemplo de mente e corpo separados. Sendo assim, George Lakoff
[1] e Mark Jonhson[2] (1999), trazem idéias que servem a este propósito. Para estes autores, a mente é embodiment[3], ou seja, “corporificada”, idéia esta traduzida e implementada por Rengel[4] como mente corponectiva[5]. Logo, não existe mente separada e independente do corpo; razão não existe fora do corpo como se imaginava, mas nasce da natureza do cérebro, corpos e experiência corporal, pois “o ato pensante e o ato consciente passam a ser entendidos como implementados no corpo em ação no mundo, não mais como atributo de uma razão descolada ou anterior à experiência” (NUNES, 2003, p. 128), o que favorece pensar que

Cada entendimento que nós podemos ter do mundo, de nós mesmos, e os outros podem somente ser moldados em termos de conceitos formados por nossos corpos [...] Esses conceitos usam nosso sistema perceptivo, imagético e motor para caracterizar nosso ótimo funcionamento no cotidiano. Esse é o nível no qual estamos em contato máximo com a realidade de nosso ambiente (LAKOFF & JONHSON, 1999, p.555).


Portanto, é preciso considerar o corpo que dança enquanto “articulador, propositor e elaborador de informações” (KATZ, 2004, p.121) e assim, refleti-lo como estratégia cognitiva e de organização dos fenômenos que o constitui.

Avançando mais um pouquinho, trago a idéia da dança como pensamento do corpo de Katz
[6]. Sob essa perspectiva, é possível ir além do entendimento da dança apenas como uma ignição que nos permite “expressar” sentimentos e emoções. Assim, torna-se mais que urgente pensar que cada ação motora da dança se configura como um pensamento, pois como descreve Katz (2005, p. 40), “quando a dança acontece num corpo, o tipo de ação que a faz acontecer é da mesma natureza do tipo de ação que faz o pensamento aparecer”. A autora sugere ainda que:

Quando o corpo pensa, isto é, quando o corpo organiza o seu movimento com um tipo de organização semelhante ao que promove o surgimento dos nossos pensamentos, então ele dança. Pensamento entendido como o jeito que o movimento encontrou para se apresentar (KATZ, 2005, Apresentação).

Esse é o interesse, aqui, apresentar a dança como um pensamento implementado, ou seja, uma experiência sensório-motora que opera no contínuo corpomente, sem a separação de movimento e pensamento. Implementar a dança como pensamento do corpo propicia aos corpos que dançam o redirecionamento de posições e o exercício de questionamentos relacionados às ações/atitudes do cotidiano.

Essa hipótese acompanha, ainda, o modo empregado para designar pensamento: “uma maneira de organizar informações – uma ação, portanto, e não o que vem depois da ação” (KATZ, 2005, Apresentação). Nessa direção, é possível fazer aproximações com posição semelhante, sustentada por Sheets-Johnstone (1990) “[...] os conceitos são gerados ou tomados conscientes pelo corpo vivo na sua vida diária, ou seja, em ações e não em modelos dados a priori”, e continua citando ainda alguns exemplos de ações: mascar, urinar, respirar, etc. como geradoras de conceitos. Posições que possibilitam indicar a dança enquanto ação propositiva nos modos de organizar conteúdos simbólicos de quem a pratica.

O acompanhamento da proposição de dança como pensamento do corpo reside no sentido do pensamento como síntese temporária das relações entre as informações que transitam no corpo, no apronte da dança. A particularidade dos acionamentos e a transitoriedade das circuitações corporais provocam a exposição de soluções provisórias de ajustamentos no mundo.

Olhando para nosso próprio umbigo...
Basta sair do discurso acadêmico e refletir sobre nossas experiências e fazeres com a dança que vamos encontrar uma lista de ajustamentos e reposicionamentos de vida. Ajustamentos que muitas vezes iniciam-se a partir de questionamentos pessoais e das atitudes que cometemos no cotidiano.
De imediato a dança do ventre configurou-se uma ação cognitiva na minha vida, na medida em que permitiu o resgate/reposicionamento de conteúdos internos relacionados com a minha sexualidade, feminilidade e atitude frente ao outro.
Não quero aqui fazer uma listagem de transformações. O que seria muito fácil, afinal fui e sou exemplo de diversas reposicionamentos pessoais e co-participante de mudanças/ajustamentos na vida das alunas. Com a experiência de 16 anos de ensino de dança, posso legitimar o que escrevo. Sem esquecer, da ação desenvolvida com dança do ventre em interface com a violência sexual, na qual originou uma dissertação de mestrado e repropôs a dança do ventre como uma ação propositiva na reorganização de corpos adolescentes sujeitados.

Reposicionamento político: de que lado você está?

Tento concluir com a seguinte questão: Você vai continuar engrossando o coro de vozes que reforçam o corpo como o centro das emoções e a mente como o lócus do conhecimento?

Torna-se urgente se posicionar contrária a tirania da razão, que recoloca a dança como um fazer menor, justamente por não aceitar o corpo que dança como produtor de conhecimento. Pois, enquanto não lutarmos por esse reposicionamento político seremos co-responsáveis pela o tipo de profissional que está no mercado de dança. Assim como, o valor que se paga pelo nosso cachê, nossa hora-aula e pelas atrocidades que se cometem frente à lei de fomento e editais destinados a dança.

Não importa se estamos no comecinho dessa trilha. O que de fato se faz necessário é que mudemos nosso pensamento AGORA, a começar pelo entendimento de que corpo e mente não são instâncias separadas. Talvez seja o 1º passo para desmontar o abismo entre nós, profissionais da dança e o senso comum.
Referências Bibliográficas:
KATZ, Helena. Corpo e movimento II. In: GREINER, Chistine; AMORIN, Claudia (orgs). Leituras do Corpo. São Paulo: Annablume, 2003, p. 78-88.
______. Um, Dois, Três: a dança é o pensamento do corpo. Belo Horizonte: FID Editorial, 2005.
______. Vistas de entrada e controle de passaportes da dança brasileira. In: Tudo é Brasil. CAVALCANTI, Lauro (org.) Rio de Janeiro: Itaú Cultural, p. 121-131, 2004.
[1] George Lakoff é lingüista cognitivo e professor de Lingüística da Universidade da Califórnia em Berkeley, EUA. Foi um dos fundadores da Lingüística Gerativa dos anos 60 e da Lingüística Cognitiva nos anos 70. Em parceria com Mark Jonhson foi autor dos livros: Metaphors We Live By (1980) e Philosophy in the Flesh, the embodied mind and its challenge to Western Thought (1999).
[2]Mark Johnson é filósofo cognitivo, professor e coordenador do Departamento de Filosofia da Universidade de Oregon. Parceiro de George Lakoff, é bem conhecido por contribuições no campo da Filosofia, Ciência Cognitiva e Lingüística Cognitiva.
[3] Termo utilizado por Lakoff e Johnson para o entendimento da mente/corpo inseparáveis. Para estes autores o processo de conhecimento se dá no corpo. É o corpo que conhece. É o corpo que pensa. O pensamento não se produz na razão, fora do corpo.
[4] Lenira Rengel é Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, Mestre em Artes – Dança pela Unicamp e Bacharel em Direção Teatral pela ECA/USP. Assessorou a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo na linguagem dança (2002-2007) e é autora do Dicionário Labam, Cadernos de Corpo e Dança (Editora Annablume), entre outros.
[5] Termo traduzido por Lenira Rengel e José Roberto Aguilar para embodiment, no sentido de mente/corpo trazidos juntos, em vínculo biológico, psicológico e cultural.
[6] Helena Katz é crítica de dança, professora da Faculdade de Comunicação e Artes do Corpo e do Programa de Pós-Graduação de Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e autora do livro Um. Dois. Três: a dança é o pensamento do corpo, 2005.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

DANÇA E COGNIÇÃO

Segue abaixo algumas considerações escritas em 2007 na época do mestrado sobre dança e cognição. Espero que esse texto ajude, sirva como base, para o outro (Quando o abismo se estabelece)que vou postar a seguir.
DANÇA E COGNIÇÃO
COGNIÇÃO?
COMO SE DÁ O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DO CONHECIMENTO?
DANÇA É CONHECIMENTO?
COMO PENSAR COGNIÇÃO EM DANÇA?
COMO O CORPO CONHECE?
O CORPO PRODUZ CONHECIMENTO?


Várias questões surgem ao refletirmos no processo de aquisição do conhecimento. Mas se tratando especificamente de dança e conhecimento, outras implicações surgem em decorrência de um entendimento que retira o corpo como local de cognição, e aponta os processos mentais apoiados em um sistema racional conceitual, como o lócus do conhecimento. Desta maneira, perpassa um entendimento das artes do corpo, no nosso caso a dança, como uma proposição complementar, a serviço de outras áreas produtoras de conhecimento. O corpo é entendido alo como algo menor e muitas vezes apenas como um veículo a expressar as informações do mundo. Distintamente da noção de corpo como um processador a negociar as informações e a comunicá-las em tempo real em um fluxo contínuo com o ambiente. Entender o corpo como veículo é reforçá-lo como NÃO produtor de conhecimentos.


Esse entendimento provém do dualismo cartesiano postulado por Descartes (1596-1650), um filósofo que construiu um conjunto de idéias a respeito da mente e do corpo, que continuam a influenciar as ciências e humanidades nos dias atuais. Uma noção dualista que separa a mente do cérebro e do corpo, configurando o ato de pensar separado do corpo e o pensamento como o verdadeiro substrato da existência, celebrado pela frase: “penso logo existo”. (Frase que tem como premissa o pensamento racional para a existência).

Para Descartes a mente, “a coisa pensante”, estava fora do corpo, como uma substância imaterial e especial, sem localização no espaço/independente do corpo, e o corpo, como “a coisa não pensante”, material a ocupar o espaço. Tal entendimento origina a concepção do “fantasma da máquina”, que trás a idéia de “um fantasma-mente” (fora do corpo) a guiar um corpo.

Essa matriz geradora semeia crenças filosóficas básicas que estão atadas a uma visão de razão fora do corpo e transcendental, onde o sistema conceitual humano é universal, literal e independente do estudo empírico. Que contribuem significativamente para o entendimento das artes do corpo como artes menores, não produtoras de conhecimento – não pensantes, afinal a mente é o local da razão e o corpo é o local da emoção. (“Quem faz dança não pensa, não precisa estudar”).

O dualismo cartesiano é criticado duramente na segunda geração dos cientistas cognitivos, em um embate que propôs a revisão da visão clássica da filosofia ocidental, a partir de três principais descobertas:
- a mente é inerentemente corponectada
- a maior parte dos pensamentos são inconscientes
- abstratos conceituais são em grande parte metafóricos

Dentre estes cientistas, se encontram Lakoff e Johnson, que propõem uma mudança radical na nossa compreensão de razão e por conseqüência a compreensão de nós mesmos.

Lakoff e Johnson propõem o conceito de “embodiment” – mente “corponectada”, onde a mente não é fora do corpo como se acreditava, e a razão nasce da natureza dos nossos corpos, cérebros e experiência corporal. Neste sentido a mente é corponectada e a razão é formatada pelas pecularidades do nosso corpo humano, pelos detalhes da estrutura neural de nossos cérebros e pela especificidades da nossa função cotidiana no mundo.
Desta forma, segundo estes autores, a compreensão que podemos ter do mundo só pode estar estruturada em termos de conceitos moldados pelos nossos corpos. Assim, toda inferência conceitual é também uma inferência sensório-motora, o que legitima as artes do corpo como área de conhecimento, e o corpo como local de cognição.

Desmontes necessários ao entendimento do corpo como local da cognição e para legitimar a importância das experiências sensório-motoras no sistema de formação dos conceitos. O que ajuda a refutar a idéia de um sistema conceitual universal, puramente literal e fora do corpo.

Essas contribuições contrariam a idéia de cognição “desembodied”, independente do corpo e do cérebro, onde a razão e o sistema conceitual são baseados em comprometimentos a priori, adotado por uma concepção funcionalista da mente.
FONTES IMPORTANTES:
O termo "embodiment" é utilizado por Lakoff e Johnson para o entendimento da mente/corpo inseparáveis. Para estes autores o processo de conhecimento se dá no corpo. É o corpo que conhece. É o corpo que pensa. O pensamento não se produz na razão, fora do corpo.
George Lakoff é lingüista cognitivo e professor de Lingüística da Universidade da Califórnia em Berkeley, EUA. Foi um dos fundadores da Lingüística Gerativa dos anos 60 e da Lingüística Cognitiva nos anos 70. Em parceria com Mark Jonhson foi autor dos livros: Metaphors We Live By (1980) e Philosophy in the Flesh, the embodied mind and its challenge to Western Thought (1999). Mark Johnson é filósofo cognitivo, professor e coordenador do Departamento de Filosofia da Universidade de Oregon. Parceiro de George Lakoff, é bem conhecido por contribuições no campo da Filosofia, Ciência Cognitiva e Lingüística Cognitiva.

Retomando os projetos de vida...


Quarta-feira de cinzas já ficou para atrás e cá estou eu "novamente" encarando minha vida em trânsito. A fotinha da Mafalda acima fala mais que qualquer palavra... lá vai eu!!!


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

BIOCENTRUM: uma excelente dica para cuidar da saúde corporal!

Quero compartilhar com vocês um site super bacana (que está como link no lado esquerdo do meu blog) de pessoas super comprometidas com a saúde corporal. Para quem busca informações preciosas sobre BIODANÇA, ANÁLISE BIOENERGÉTICA, PILATES, GYROKINESIS, TEATRO e ENFERMAGEM, sinceramente, acessa lá! Também peço para darem uma olhadinha em um artigo que escrevi e está postado na Seção Espaço B. Fiquei super feliz quando recebi o convite da Biocentrum, em específico de Juliana Rocha, para postar algumas considerações sobre minha ação com a Dança do Ventre em interface com a violência sexual. Afinal somos todos uma rede de compartilhamento, ligados por "fiozinhos" invisíveis que vão além da tecnologia e sim por ações de vida. Ajudem a divulgar um espaço comprometido e sério, como este, presente no mundinho virtual. (coisa cada vez mais rara, hem?)
OBRIGADA!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Grito de Carnaval na Ilha


Oi meu povo... Esse ano não teve quinta no samba com o Alerta Geral, nem Mascarados, nem minha amada Ivete no Coruja com a companhia de Sâmia e abrigo de tia vidinha na barra, nada de me preocupar em amarrar com nó bem dado, daqueles de "amarração" as contas de Gandhy do maridão, nada, nada, nada... Nem a saída do trio de Alexandre Leão hoje na barra com a cumadre Cristina... :-( Buáaaa!!!!
Eu quero é banho de ilha que vale mais que qualquer banho de cheiro e alfazema. Quero me esticar na areia e relaxar...
Bom carnaval para todos que ficam aqui em Salvador. Ficarei fora do ar por um bom tempo!!!
Ahhh! Para quem acompanha o blog, deve ter notado que exclui algumas postagens. Desculpem! Senti muito, muito, muito... mas foi necessário por motivos "força maior". O que importa é que estou bem, muito bem, tá? Logo estarei aqui bronzeada de sol.
Beijinho lotado de carinho...

sábado, 6 de fevereiro de 2010

VOCÊ TEM FOME DE QUÊ?

Reinventar a Dança do Ventre a partir de outros estilos de dança, não é nenhuma novidade. Se revisitarmos a década de 30, vamos encontrar no “Cabaré da madame Badiaa” um grande celeiro de inovações e fusões.

Digamos que Badiaa Masabni foi uma das pioneiras em investir na dança do ventre como uma “arte” do Show Business. Atenta ao crescimento da cidade do Cairo com a indústria de entretenimento vislumbrou na dança do ventre uma possibilidade de ter acesso a uma fatia desse grande bolo. Em 1926, abriu a primeira casa de Show, com nome oficial Opera Cassino. Sobre sua casa noturna pode-se dizer:


“O clube noturno oferecia uma grande variedade de entretenimento como canto, dança e às vezes shows cômicos e de mágica. Badiaa o fez no modelo europeu a fim de atrair tanto os visitantes do Oriente Médio quanto os europeus que, cada vez mais, por lá passeavam. Na verdade, seu cassino foi freqüentado por uma grande variedade de pessoas de todos os lugares do mundo. Mas era mais que um cabaré, o "Cabaré da madame Abadiaa" era um popular ponto de encontro da sociedade de Cairo, freqüentado pelo Belo Mundo". [1]


Para atender a este propósito teve que repensar o formato da dança popular, propondo outras configurações a partir de mudanças no repertório dos movimentos, estrutura espacial e cênica. Rompeu com algumas tradições populares, re-criando uma dança que se adequasse a estrutura de espetáculo e que se desenvolvesse “distante do público”, em um palco, não mais nas ruas, nas feiras, tabernas etc. Apresentou uma dança para ser vista e apreciada por um público fora da cena e, por isso não mais co-autor como antes.

De acordo com as fontes consultadas, destacam-se algumas mudanças:
- o uso ampliado do palco, com deslocamentos e uso horizontalizado do espaço cênico (diferente das gawazees que desenvolviam uma dança centrada),
- utilização dos braços como adorno da dança, não apenas contornando o corpo, mas também acima da cabeça com mais movimentos flutuantes (conhecidos como “braços de cobras”),
- criação de coreografias para o palco,
- utilização de adereços, principalmente o véu,
- incorporação de músicos ocidentais à orquestra.


Nesse sentido madame Badiaa bebeu na fonte das danças ocidentais, como o balé clássico para incorporar o uso da meia ponta na dança, deslocamentos de palco e entradas/saídas de cena. Além do mais, a organização cênica e o tipo de movimentação desenvolvida pelos corpos de baile (com linhas espaciais, horizontais, diagonais, semicírculos) foram introduzidos pouco a pouco na coreografia, tendo seu ápice nos filmes de Hollywood que levaram a cena coreografias de dança do ventre em grupo, tendo a frente uma dançarina solista e atrás seu corpo de baile com o objetivo de preencher a cena, ou melhor, dar corpo a grande tela cinematográfica.

Os tempos hoje são outros, contudo continuamos a beber de outras fontes como matéria-prima para nosso processo de criação, que muitas vezes não nascem dos nossos desejos mais íntimos ou do nosso contexto específico e sim, da necessidade de sempre atender a cultura do espetáculo e a indústria de entretenimento.

Meu objetivo aqui, não é me opor a algum tipo de “instrução” que chegue para agregar algo à dança do ventre. Até porque não compactuo com o ideário de resgatar uma dança original ou “com essência”. Sou simpatizante das transformações, uma vez que elas são responsáveis em parte pelo mecanismo de sobrevivência de qualquer linguagem artística. Contudo, penso que alguns traços têm uma taxa de permanência maior e são estes responsáveis pela manutenção da linguagem. Não dá, por exemplo, propor “reinvenções” na dança do ventre que a descaracterizem ao ponto de exterminar tais traços. Caso contrário deixa de ser dança do ventre, se tornando outra coisa, ou um 3º elemento.

Há pouco tempo, Soraia Zaied bailarina brasileira em carreira no Egito agregou a sua dança características do samba brasileiro. Mais do que samba no pé imprimiu em seu visual adereços do traje típico de uma passista de escola de samba, a exemplo das penas e armação de cabeça (veja foto abaixo). Que aos meus olhos mais do que uma “inovação” ou “fusão”, significou nada mais nada menos, uma possibilidade de sobreviver como estrangeira no concorrente mercado egípcio. De forma muito inteligente usou a velha fórmula de reproduzir a leitura exotizada da cultura brasileira, ou seja, samba e carnaval (ainda bem não incluiu o futebol) para se sentir aceita. Foi mais uma a usar o “passaporte” made in Brasil para se dar bem e muito bem. Sinceramente, a princípio nada contra, porque foi uma ocorrência transitória de um percurso e não representou uma mudança no contexto da sua dança. Mais do que nos preocuparmos com as inovações das estrangeiras dançando lá fora, se faz necessário refletir nas atrocidades cometidas pelas egípcias (que deveriam zelar pelo seu bem cultural) em prol da cultura espetacular e do “dimdim” no bolso.



Acho que de partida fica clara a não oposição as inovações, fusões ou trocentas possibilidades de inserções e re-leituras na/da dança do ventre. Antes que me atirem a 1ª pedra, devo confessar que tive fases em que fui adepta a inovações. Quem não se lembra da coreografia gang na Cia. De Dança Arabeskue (dança do ventre + Hip Hop)? Do meu solo de composição coreográfica na graduação de dança, na qual fui uma medeia belly dance e usei movimentos do balé com dança do ventre. Fora minhas fusões com dança flamenca, cigana, dança moderna e jazz.

Mas, mas, mas.... a grande questão que aqui se impõe é:

VOCÊ TEM FOME DE QUE?

A minha atenção se volta para o tipo de lógica, equação, que tem pautado nossos processos de criação e escolhas de aperfeiçoamento técnico. Pois muitas vezes somos seduzidos pela imensa oferta de mercado sem ter a mínima coerência com o nosso processo PESSOAL investigativo. Com a nossa fome.

Vamos à feira e colocamos no nosso corpinho tanta coisa. De maça a pimenta do reino. De bobó de camarão a mingau de aveia. De balé a Circo. De Dança Indiana a Hip Hop. Será que nosso corpinho agüenta? Não será um pouco indigesto?
Para mim foi um pouco assustador acompanhar de longe a enxurrada de Works que houve em Salvador em 2009. Uma situação que não pode ser lida apenas como um crescimento do mercado local e aperfeiçoamento das dançarinas soteropolitanas. A diversidade de estilos, opções e a grande demanda da oferta (quase que semanal) me fizeram pensar em algumas implicações.

A primeira delas esbarra na falta de fome, no bucho cheio, sem chances do corpo maturar o sabor, refinar o paladar e conhecer mesmo o seu desejo. Qual a sua fome? A fome é substituída pela ansiedade do consumo, pela compulsão de mais uma informação, mais um certificado, ou até mesmo pelo status de estar ali em mais um work, dançando em mais uma noite árabe ou em mais uma fotinha de eventos no orkut.

Sem o estômago vazio (entenda que nem sempre bucho cheio equivale qualidade) e a impossibilidade de maturar tanta informação no corpo, se desenvolve uma lógica de formulação na dança bastante perigosa.

Mais ou menos assim...

O mais habitual:
A oferta de mercado direciona suas escolhas de aperfeiçoamento que nem sempre estão relacionadas a um processo investigativo pessoal.

APELO DO MERCADO/WORKS------------FORÇA MOTRIZ DO APRENDIZADO, MUITAS VEZES SEM O PROCESSO INVESTIGATIVO.
Aprende-se a instrução para depois partir para o processo de investigação. Ou nem se tem investigação, apenas copia-se a instrução.


Quando o mais bacana seria:
O CONTEXTO PESSOAL INVESTIGATIVO DE CADA DANÇARINA-------------------IMPULSIONARIA AS ESCOLHAS DOS WORKS E DO TIPO DE TREINAMENTO A SER DESENVOLVIDO.

A partir do seu processo de investigação, do tipo de estilo que se tem desenvolvido, vai-se em busca de instruções que contribuam para o contexto pessoal da dançarina.


Em outro campo...
O tipo de instrução ou “treinamento” a ser desenvolvido foi uma grande questão para a dança contemporânea nos anos 90. Qual o tipo de “treinamento” o dançarino contemporâneo precisaria para esse tipo de dança? Mais ou menos assim, vou de feijoada ou manga? Pode-se tudo? Já que a proposta é experimentar e desenvolver um corpo poliglota, capaz de dançar qualquer coisa. Afinal, a dança contemporânea muitas vezes é lida como uma dança sem técnica a priori, sem rotulações.

Depois de muitas discussões e eleger tantas e tantas abordagens corporais que se aproximassem da moldura da dança contemporânea, percebeu-se que nem educação somática, nem pilates, nem capoeira, contact improvisasion, artes circenses, teatro físico, técnica de tecido, aikido, e,e, e... e seriam as instruções apropriadas. Que esse tipo de pensamento implica uma lógica de formulação pautada em escolhas pré-dadas e nem sempre o que vem de fora do processo, por mais que seja bom em termos de instrução, servirá. O mais coerente seria partir do contexto de criação, do processo pessoal de cada dançarino e do criador em questão. Se para obra artística X a idéia norteadora é o corpo e suas articulações, nada mais bacana oferecer para o grupo de dançarinos aulas de educação somática, dança do ventre e pilates. Ou seja, abordagens que partem do contexto investigativo e não do contexto de mercado.

Um exemplo bem conhecido, apesar de não ser de Dança Contemporânea é o tipo de “treinamento” oferecido aos bailarinos de Débora Cocker. Do que aqueles corpos são feitos? De banana, abacaxi ou goiaba? Ou os três juntos? Débora prioriza abordagens que contribuem para o tipo de ideário que compõe a Cia: bailarinos-atletas. Os corpos são feitos de técnicas circenses, pilates, esportes radicais e muito balé. Para cada espetáculo o cardápio de instruções modifica para o tipo de propósito a ser desenvolvido. Não dá para oferecer dança afro quando se pensa em um espetáculo como Cruel (que tem elementos da dança de salão e balé clássico).

O que quero deixar claro é o seguinte: o tipo de instrução a ser escolhida para sua dança deve ser pautada na fome do seu corpo e do seu contexto pessoal e não pelo apelo de mercado. Ainda que a bailarina seja muito boa ou a bola da vez, a bam bam que chegou nas terrinhas. Justamente para que não usemos a lógica de formulação de forma inversa.

Badiaa muito sabiamente se alimentou do balé clássico como uma instrução que se aproximasse do seu propósito de investigação. Utilizou Isadora Duncan com suas echarpes e véus como um material riquíssimo para adoção de adereços na cena. Não optou por Ruth ST Denis ou outro tipo de instrução. Ainda que estivesse a serviço da indústria de entretenimento, soube fazer suas opções. E, nós?

Ingenuamente você pode argumentar: mais é tudo dança do ventre. Não tem problema se hoje vou de folclore ou clássica, não muda muito. O que importa é saber de tudo um pouco. Será?

Saber de tudo o quê? Saber dançar clássica, um bom véu, bastão, espada, dança das velas, dança do castiçal, dança com wings, snujs e,e,e...Quando a pergunta a ser feita é: você tem fome de que? Qual é o seu estilo? O que alimenta sua alma?

Ou em outras situações buscar "reforço" em outras técnicas de dança como o próprio balé, como se essa prática fosse um solucionamento milagroso para suas demandas na dança do ventre. Tipo assim, preciso ter bons giros, vou fazer balé. Como também malhação em execesso para esculpir o corpo e deixá-lo como o principal cartão de visita na dança.
Espero que não entendam minhas colocações como uma negativa. É claro, que sim , o balé ajuda a trabalhar o eixo vertical, sua relação com o movimento de cabeça e foco, importantíssimos para quem quer aprender a girar. Assim como malhar e cuidar do corpo, ajuda a manter o amor próprio fundamental para você se sentir bem independente da aprovação do outro. Mas quero atentar para as demandas que criamos para nossa dança que nem sempre equivalem ao nosso desejo interno. Será que todo mundo precisa girar, girar e girar? Que política de corpo é essa que temos atualmente na dança do ventre que descarta os corpichos do tipo "dove'?
O desejo de consumir as iguarias do mercado pode mascarar a nossa fome essencial. É preciso saber o que de fato nos alimenta.

Eu particularmente nos primeiros anos de dançarina fui uma esfomiada de works. Tenho aqui mais de 100 certificados. Com o tempo a desculpa se tornou no fato de ser professora e que precisava conhecer de “um tudo” para ensinar. Aos poucos aprendi a alimentar minha dança interna. Assumi minha alma egípcia, pop egípcia, moleca e alegre. Assumi que não me apetecia a dança clássica (apesar de ter ensinado e dançado) e que o meu elemento seria muito o véu e nada de snujs. Não tive vergonha de dizer que não me esforcei em me aprimorar nos toques. E toda vez que uma aluna me pedia alguma instrução, indiquei professoras de Salvador.

No finalzinho do ano passado fui ao 10º FIEL (Festival Internacional da Escola Luxor). Mesmo refém daquele esquema de aulas o dia todo e com os mais diversos estilos possíveis, fui realmente FIEL a minha fome. Durante os 10 anos que fui assídua no festival aprendi isso: não comer de tudo um pouco para não ter uma indigestão. Escolhi fazer as aulas de Randa, Yousery e Amir, que já eram demais para um corpo que busca alimentar sua dança interna e não repetir a língua dos outros. Depois de 16 anos de "banquete" escolho muito bem com que tipo de alimento abasteço minha dança e busco escolhas que partam da meu processo de investigação. Posso dizer que, hoje, só danço o que meu corpo pede.

FONTE DE PESQUISA:
[1]http://videos-de-danca-do-ventre.blogspot.com/2009/01/video-de-danca-do-ventre-badia-masabni.html Acesso em 06/02/2010

[2]
http://www.belly-dance.org/badia-masabni.html. Acesso em: 06/02/2010