domingo, 27 de dezembro de 2009

PARA 2010

Talvez soe estranho escrever/dizer o verbo comprometer como uma ação imperativa para 2010. Pois aqui está o desafio: COMPROMETER-SE! Para mim e tantas outras pessoas que entendem que as ações pessoais não começam e nem terminam nos nossos atos, mas estão implicadas em um viver no coletivo. O que de partida já solicita questionar-se o tempo todo sobre a sua contribuição (para não escrever compromisso) no e para o mundo. E, que de algum modo solicita TAMBÉM a boa vontade de revisitar o verbo comprometer fora do “tom” pesado a ele associado. Pois habitualmente, temos um medo danado de compromisso, de comprometer-se com algo (fora dos nossos interesses pessoais) e, conseqüentemente da impossibilidade de escape que essa ação já acarreta. Afinal, uma vez que se dá a palavra, que se promete algo e que se compromete, fica complicadíssimo voltar atrás (excetos para os políticos de plantão). Dito isto, não é mais fácil então viver sem comprometer-se? A minha hipótese, vai ao contrário desse tipo de atitude que culturalmente já foi incorporado a espécie humana.

Acredito que para se viver hoje, PRECISA-SE da ação de comprometer, como uma premissa básica de sobrevivência. Ainda que seja apenas, para desfilar de politicamente correto e entrar no circulo dos descolados (com suas sacolinhas recicláveis e o ar de que se compromete com a preservação do planeta). Contudo, ando de saco cheio do hiperativismo vazio. Desse modismo burguês que gruda no corpicho e faz a gente pousar com o modelito tipo “CARAS” nas diversas situações da vida.

Para 2010, que já começou para mim desde do meio de 2009, eu quero muito mais! QUERO COMPROMETER-ME NO COTIDIANO! Nas micro-ações diárias, que venhamos e convenhamos, são as mais difíceis de modificar!

QUERO COMPROMETER-ME COM O OUTRO, QUE VAI ALÉM DA MINHA FAMÍLIA,
COM O PLANETA EM QUE VIVO,
COM A DANÇA , A PROFISSÃO QUE ESCOLHI
E COM AS GERAÇÕES FUTURAS!

Pode parecer uma fala meio axé-baba, digna daqueles que querem salvar as baleias, mas pelo contrário é uma escolha que já venho exercitando há algum tempo. Pois para quem me acompanha, entende que até esse blog, surgiu como um comprometimento político para as minhas ações/impressões com/sobre a dança do ventre. Um lugar de voz, de reflexão e crítica, de levante de questões e ao mesmo tempo de transformações. O blog como a possibilidade do artista comprometer-se com sua linguagem, de fazer/pensar dança como uma ação desestabilizadora e agregadora de outras leituras e intervenções. Afinal, temos que desmontar entendimentos que o artista não precisa comprometer-se politicamente com o outro, basta apenas levar entretenimento para a sociedade e ponto final. Sim, mas se alguma bailarina opta em fazer uma apresentação tipificada pelos estereótipos da “odalisca”, não carrega nesse fazer um entendimento da dança do ventre sexualizado e a serviço da mídia? Não está se comprometendo com uma visão de mundo? Não podemos mais, entender essa ação apenas como uma leitura equivocada de um fazer. O MEU CORPO/O MEU CORPO QUE DANÇA E ESTÁ NO MUNDO, JÁ TRÁS IMPLICAÇÕES EM UM COLETIVO.

Entretanto, sabendo disto tudo, modifica alguma coisa? Saber apenas basta? Claro, que não. É por isso, que lanço a tarefa do comprometer-se diariamente. Seja na sua profissão, no que você fala ou deixa de falar, fazer, etc. Se você opta em assistir o filme AVATAR e não o filme brasileiro – É proibido fumar, não carrega em si um ato de compromisso? Afinal, qual dos dois gêneros tem mais chance de retornar ao cinema? E a sua participação, gera alguma contribuição nisso? Ahh, mas é só uma ida ao cineminha... não faz mal! Nessa de não faz mal, também nos comprometemos e muito!!!! (Aqui, abro um parênteses para tantos atos descompromissados na dança do ventre, ‘INOCENTADOS” pelo entendimento de que é só uma dança e nada mais. Por favor, o que você escolhe para apresentar no palco também carrega uma visão de mundo e um fazer político). Ou, ou, ou... SE VOCÊ OPTA EM IR APENAS PARA ALGUM TIPO DE APRESENTAÇÃO DE DANÇA DO VENTRE (a da moda, por exemplo) OU VAI APENAS PARA O WORKSHOP DA BAILARINA DA MODA, NÃO ESTÁ DE ALGUM MODO CONTRIBUINDO PARA QUE SÓ ESSE TIPO DE GÊNERO SE ESTABILIZE E IMPEÇA QUE OUTROS POSSAM TAMBÉM ESTAR DISPONÍVEIS?

Nesse ponto, faço um link com o post de Lory (Pacto de mediocridade na dança do ventre) publicado em seu blog (An)danças de Lory – (http://andancasdelory.wordpress.com/), no qual solicita a não adesão ao pacto de mediocridade na dança do ventre. Leiam! Pois este é um ato de comprometer-se com o fazer um artístico e dar voz, a um tipo de fala que não tem a intenção de fazer ruído e sim propor uma reflexão crítica. A VOZ COMO UMA AÇÃO.

COMPROMETER-SE com a voz, uma voz que é ação e que não implica apenas em falar ou escrever, mas palavras que fazem a diferença! Lory nos ensina a não usar as palavras que saíram de férias. Sabe aquelas que são ditas para agradar...

ENFIM...
PARA 2010. COMPROMETA-SE! COMPROMETER COMO UM IMPERATIVO DE VIDA E DE AMOR.

FAÇA A SUA LISTA DE COMPROMETIMENTOS...

A MINHA COMEÇA ASSIM... E JÁ VEM DE MUITO TEMPO... A CADA DIA VOU ACRESCENTANDO ALGO E PEÇO A AJUDA DE VOCÊS...

COMPROMETO-ME COM Á ÉTICA
Esperar numa fila,
A não jogar papel no chão,
Saber ouvir o outro,
Reciclar o lixo...
COMPROMETO-ME COM O COLETIVO
Não aderir SOMENTE a interesses particulares
Deixar de olhar para o próprio umbigo,
Pensar em ações que preservem o nosso planeta e façam a diferença...
COMPROMETO-ME COM A DANÇA
Uma dança criativa, movida pela co-autoria minha e de muitos,
Que se reinventa e por isso rejeita enquadramentos/padrões,
Que não se posiciona em entendimentos hierárquicos de melhor/pior, cerro/errado, mas que existe e se faz ação no mundo pelo simples fato de ser singular e não aderir a discursos que oprimem a diversidade,
Retomar o meu projeto de sistematizar uma metodologia de criação coreográfica para dança do ventre fora dos padrões habituais de cópia, mas que favoreça o processo criativo da aluna através de ferramentas de improvisação e o uso de elementos da dança (espaço, forma, tempo e qualidade),
Continuar a produzir conhecimento acadêmico com dança, seja através da pesquisa de Douotorado, seja através da produção de artigos...
COMPROMETO-ME COM A MINHA VOZ
Voz que é ação e se faz prática nos meus atos, pois voz sem ação é aconselhamento, é vazio...
COMPROMETO-ME A NÃO ABANDONAR MEUS SONHOS
Ainda que estes sejam difíceis de realizar e não se cumpram de fato em 2010, mas que ganhem cada vez mais espaço interno e força para torná-los realidade...
Mas continuarei seguindo com o sonho de me tornar uma professora universitária... um dia ainda participarei de um concurso para o magistério superior que se paute na ética e seja justo. Não desistirei, pois de que adianta tantos anos de estudo? (Graduação em Dança, Mestrado em Dança e Doutorado em Comunicação e Semiótica com interface em Dança).
Publicar minha dissertação de Mestardo,
Voltar ensinar Dança do Ventre em Salvador,
Retornar para as aulas de balé,
Ficar mais tempo com minha família,
Engravidar,
Adotar uma criança,
Deixar de comer carne vermelha,
Retomar o meu Projeto Re-creio com adolescentes em situação de violência sexual..
COMPROMETO-ME COM O AMOR
Amor que vem de Deus e me ensinou que este é o primeiro ato de comprometer-se com a vida,
A continuar a investir no ser humano, ainda que tenha desacreditado um pouco... Mas o ser humano é a continuidade de Deus...
COMPROMETO-ME...

FELIZ 2010 PARA TODOS NÓS!
QUE JESUS NOS ABENÇÕE!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

EM SALVADOR...


Pessoas queridas:


CHEGUEI! Ahhh essa foi uma das madrugadas mais felizes, pois chegava em minha cidade. Não me importou nem o pouco o cansaço, o calor, o aeroporto cheio e a dor de estômago. Enfim... estava pisando na minha casa.

Agora devo curtir um pouco do sol, um banho de mar (para tirar tudo de ruim) e me deixar ser cuidada por mainha. Mereço colo, muitoooo colo. Que começou com a chegada de Pedro em São Paulo na semana passada e que continuará por esses dias ao lado da familia, alunas e amigos. Devo confessar que o primeiro semestre no doutorado me exauriu. Me deixou exausta! Muitas leituras, muitas aulas e muita coisa para dar conta. Mas... posso também dizer que o meu projeto de pesquisa está muitooooooooooooo bom e me deixa feliz pelo gosto de mais uma vitória. Agora é dar continuidade ao plano de trabalho e partir para a pesquisa de campo. Ahhhhhhhhhh e continuar as leituras.

De saldo... foram 40 kilos de excesso na bagagem. Roupinhas e presentinhos de Natal??? Não! Nada de 25 de março ou José Paulino. Foram mais de 30 livros e muita anotação!!!! Ufa... como amo isso. No mais... logo compartilharei com vocês meus novos companhieros de pesquisa: Agamben e Lipovetisky.

Apreciem a fotinha que adicionei para vocês! O lugar que mais amo na minha cidade! bjs


terça-feira, 1 de dezembro de 2009

PIREI O CABEÇÃO NA FEIRA DE LIVROS DA USP


Pense numa pessoa em uma feira de livros com as maiores editoras fazendo uma queima de 50%? Eu simplesmente comprei 12 livros! Sim!!!! Presente de Natal do meu marido lindo. Sim, e a roupinha de natal? Nem pensei. Naquele momento, eu só pensava nos livros que iam fazer parte da minha pesquisa. É por isso que me identifico com Mafalda. Ahhhhh!!!

CENAS DOS PRÓXIMOS POSTS

Gente... tantas coisas para postar. NOSSA! Em 1 semestre aqui na PUC, li demais, fiz trocentas mil xérox, comprei uns 20 livros e gastei umas 5 canetas escrevendo. Engraçado isso... nunca tinha me lembrado de ver uma bic acabar em minha mão. Isso, aqui, se tornou algo comum. Contudo, sei de que nada adianta ter acesso a tanta informação e não colocá-la no mundo. Assim, logo compartilharei com vocês, o máximo possível. ME AGUARDEM!!!! Inclusive minha pesquisa de Doutorado... que tem gente me perguntado. Agora só posso escrever: ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh um gozo!
Nesse momento, estou completamente seduzida por uma antropologa indiana chamada Veena Das.... maravilhsoa. O meu próximo post será remetendo a ela....
Depois quero falar do curso que fiz com o psiquiatra Gilberto Safra sobre uma leitura da adolescência na contemporaneidade. Nossa.......muito bom! Fiquei super mobilizada, com vontade de chorar o tempo todo... afinal todos nós temos tatuado na alma a nossa adolescência....
Essas são as cenas dos próximos capítulos ou posts...
Voltarei em breve!
bjs
Márcia

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

ONDE ESTÁ MÁRCIA?



Gente... final de semestre do Doutorado, vocês não acham que eu ia desaparecer entre os livros? Me desculpem a ausência... logo estarei de volta, compartilhando a pesquisa. Tenho muitas novidades para partilhar com vocês!!!!! Aguardem...

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Por uma proposta criacionista...

Mesmos? CLONES? Não! Ainda que esteticamente tenham uma familiaridade... são de linhagens totalmente diferentes!

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

SERÁ QUE A GENTE PRECISA DE TANTA PRODUÇÃO DO MESMO?

No último encontro do CED/PUC/SP- Centro de Estudos da Dança, coordenado pela professora Helena Katz, algumas questões levantadas a respeito da dança contemporânea soaram tão familiar que peço licença para migrá-las (com as devidas ressalvas) para “nossa” dança do ventre. Vamos lá...

Quem nunca viveu a sensação de ir a uma Noite Árabe e ver uma enxurrada de “mesmos”? Como se ligasse o piloto automático e se reproduzisse um entendimento que serve a todos. Como por exemplo, o estilo clássico, com a mesma entrada de véu e uma combinação de movimentos que ganha certa estabilidade para não dizer previsibilidade. Obrigando muitas dançarinas a buscar a dança clássica e a repetir o que está “na moda’, desobrigando-as a dançar o que realmente gostariam. Eu mesma, já ouvi de uma grande dançarina em SSA que para ela era um “desafio” aventurar pelo estilo clássico, ainda que não fosse o seu desejo de fato. Como é difícil escapar disso! Parece que certas escolhas ganham estabilidade, gerando um tipo de entendimento de espetáculo que se torna autônomo. Quando a gente vê, olha ele ali em cena, várias vezes, muitas vezes... formaliza-se no circuito... O que gera a seguinte situação: o consumo de uma determinada idéia, um marcador de mercado que formaliza um modismo! Tão diferente da possibilidade da idéia mover o ambiente da dança, gerar outros entendimentos e romper com o que é “in”.
...
Aqui, lanço a pergunta- título desse texto: será que a gente precisa de tanta produção do mesmo?

A reprodução dos mesmos é um traço/sintoma que vem acontecendo na dança contemporânea e na dança do ventre. É claro que com contextos diferentes. Para a dança do ventre, que é a minha vivência, tenho algumas hipóteses. Mas por agora vou me ater apenas a uma, ou seja, o acesso instantâneo ao mercado. Muita gente vira professora em poucos meses. Quase todas as alunas são seduzidas para se apresentar na mostra de final de ano. Isso independe da qualificação ou do tempo que se tem de estudo na área. TODO MUNDO JÁ É DANÇARINA DESDE SEMPRE! O que perde a possibilidade de experimentar, exercitar a criação e processo de investigação da sua assinatura pessoal. De exercitar escolhas. Afinal temos um cardápio tão vasto na dança do ventre, do folclore, ao POP, ao clássico, as fusões, etc. A pressão de ter um produto é tão grande, que acaba-se trilhando o caminho dos mesmos. Recorre-se o que está estável no mercado.

Mais perguntas: todo mundo tem que dançar no final de ano? Por que tem que virar produto? Arte é produção em grande escala?

Um agravante: o público legitima essa fábrica de dançarinas precoces. A pessoa está ali no palco, todo mundo levanta e grita: arrasou, huuuuuu, linda! Quem vai dizer que não é dançarina?

Outra questão que ajuda na legitimação de dançarinas precoces: a facilidade de acesso a material pronto na internet. Basta procurar um bom vídeo no youtube e copiar! Copia-se tudo. Música. Coreografia. Roupa. Maquiagem. Consagra-se o consagrado. Escolhe-se o marcador do mercado.

É preciso romper com essa lógica de consagração dos mesmos. E da super produção de produtos e inserção precoce no mercado. E a “culpa” é da estrutura, onde todos têm que sobreviver. Desde quem é dono de escola e precisa colocar “trocentas” pessoas em cena na apresentação de final de ano, a aluna que sonha com o dia da apresentação ou os amigos/familiares que perguntam: e aí vai dançar quando? Como se apenas o palco legitimasse a dança.

Sinto saudades do tempo em que a falta de acesso aos conteúdos da dança do ventre (DVDs, vídeos na web, etc), não nos deixava outra opção: criar nossas coreografias sem a ditadura de um modelo suspenso. Exercitava-se a experimentação. São raras as pessoas que hoje buscam inspiração nesses modelos, só inspiração, um frescor, oxigênio mesmo, que ventile outras possibilidades que dizem respeito do nosso corpinho e do nosso processo cognitivo e, não do corpinho do outro.

Os vídeos estão ai. O acesso está ai. Porém cabe a nós entender que fazer arte não é reduzir a dança as mesmas escolhas (copiou-colou). É preciso buscar oxigênio. Ou continuaremos a ir ver os espetáculos com as mesmas caras, previsíveis, com as mesmas frases prontas (Linda! Arrasou! Adorei a roupa!), repetindo a mesmice. Mesmice no palco e fora do palco. Somos todos constitutivos e temos a arte que fazemos parte. Que arte queremos ter? que dança queremos fazer?

Por favor... porosidade... oxigênio... mais vozes...
CHEGA DE UMA HIPERTROFIA DE VOZES QUE NÃO PODEM SER DIFERENTES!

MINHA RODA VIVA...


Depois, eu é que tinha medo de Roda Gigante?

domingo, 4 de outubro de 2009

Impressões Capturadas...


Aprendi com Rômulo Quiroga (um pintor boliviano):
A expressão reta não sonha.
Não use o traço acostumado.
A força de um artista vem das suas derrotas.
Só a alma atormentada pode trazer para a voz um
formato de pássaro.
Arte não tem pensa:
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.
Isto seja:
Deus deu a forma. Os artistas desformam.
É preciso desformar o mundo:
Tirar da natureza as naturalidades.
Fazer cavalo verde, por exemplo.
Fazer noiva camponesa voar - como em Chagall.

Agora é só puxar o alarme do silêncio que eu saio por
aí a desformar.

Até já inventei mulher de 7 peitos para fazer vaginação
comigo.

(Manoel de Barros, de novo em Livro sobre nada)

sábado, 3 de outubro de 2009

Apatia...

Esses dias que antecedem o falecimento de meu pai, ocorrido em 12 de outubro de 2008, pouco tenho a escrever... Sou tomada por uma dor tão grande, que para me proteger visto-me com o manto da apatia...que tem a cor dos dias cinzentos de São Paulo...
"Só me importa esquecer e esquecer
O impossível de esquecer.
Nunca se esquece, tudo se lembra ocultamente.
Rui Knopfli, “Aeroporto”

domingo, 27 de setembro de 2009

CAFÉ MULLER

NOITE COM SOL...ASSIM FOI MINHA ESTRÉIA COM PINA BAUSCH...

Nós alunos da profª Helena Katz, fomos convidados a assistir um ensaio da Cia de Pina Bausch / Tanztheater Wuppertal na temporada que faria em São Paulo. Mais uma das generosidades, dessa pessoa maravilhosa chamada Helena, que compartilha momentos/aprendizados de arte com os seus parceiros, alunos e artistas da dança. Entretanto, tudo contribuía para uma “não-presença: noite fria, teatro longe – fora do centro de São Paulo, um frio daqueles... só que eu e mais de 100 alunos de Helena, não arredamos o pé, estávamos ali – no Teatro Alfa, domingo passado, 20/09/09.

E, por incrível que pareça, boa parte, achava que seria um ensaio aberto, passagem de palco, tão comum antes da estréia. Mas...não! Foi apresentado na integra Café Muller e Sagração da Primavera. Eu, quando comprei o programa e vi toda a situação típica de pré-estréia... fui tomada por uma emoção, como a de quem realiza um grande sonho: assistir Pina Bausch. E, mesmo que ela não estivesse ali, a sua presença era muito forte. Todos nós não vamos apenas assistir a obra artística e sim a obra de Pina Bausch.

Eu era pura emoção. Quando entrei e vi o cenário de Café Muller, não me contive. Os olhos encheram de água e assim foi durante toda a noite. A obra, Café Muller, é de uma força, é tão impactante... que por mais que já a conhecesse em vídeo, ali, ao vivo... É outra coisa.

Durante a graduação de dança (por volta de 1998), Café Muller, foi minha primeira tentativa de descrever e analisar uma obra de dança, digamos que, mais criticamente. Fiz dessa obra, meu material, para um seminário em Metodologia da Dança. Lembro que, li o livro de Ciane Fernandes sobre Tanz Theater Wupertal e tudo que tive acesso sobre Pina. E, por mais que entendesse a ignição temática dessa obra: a incompletude humana, os encontros e desencontros das relações amorosas e as memórias fantasmagóricas da infância de Pina... Ver ali, ao vivo, me desarmou totalmente. Ainda que soubesse cada cena, e ainda procurasse a presença de Pina. Não era a familiaridade ou a ausência dela (por que ela não está mais ali?) que contribuíram para esse atravessamento.

Literalmente fui atravessada por Café Muller nessa noite. Senti algo que não dá para descrever no verbal. Sabe uma emoção, uma beleza que te desconcerta? E essa sensação foi potencializada quando vi ao vivo.

Café Muller é tão impactante, te desestabiliza não só pelo tipo de estruturação das cenas, pesquisa dos movimentos, mas por estar ali a natureza humana crua e bela no corpo que dança. O lirismo que atravessa os corpos, não se propõe a suavizar as cenas. É descompromissado. E você, espectador, que dê conta da beleza e da dor ali presentes, não mais fora de você. Pina, nos ensina que não existe o” dentro” e o “fora”. Está tudo misturado.

Existe uma cena em que um casal se encontra e existe um personagem que tenta regular essa relação. Como? Corporalmente. Conduzido o abraço, o beijo e na forma como Dominique (o dançarino homem) carrega sua companheira. O regulador arma a cena, que se desmancha em seguida. Dominique larga sua companheira no chão, que levanta e o abraça. O Regulador vai de novo, arma o abraço, o beijo e a carrega. Isto se repete várias vezes e em cada vez, mais rápido, mais rápido... com exaustão. Até que o “regulador” sai da cena e o casal continua repetindo o controle. Sem a regulação, os corpos continuam reféns desse tipo de padrão coercitivo. Ou seja, não há mais a necessidade de alguém que diga como se deve abraçar, beijar, etc. Contudo, por mais desconcertante que seja, no domingo, a platéia riu dessa cena. Achando engraçadíssimo. Como disse Amanda, amiga e colega da pós, um tipo de risada cômica, igual como se estivesse rindo de uma das cenas do Zorra Total.

Saímos do teatro, comentando esse fato. Estranhamos, muitooooooooooo! Porque a cena é tão forte, que riso nesse lugar, é um absurdo! Até por se tratar de uma platéia especializada, ou seja, pessoas da dança e que pressupõe outro tipo de olhar. Enfim...

Assim, na sexta (25/09), na disciplina da Helena Katz (Processos Midiáticos e Produção de Conhecimento: Corpo e cognição) foi comentado (por ela) essa situação específica. Helena disse que foi a todas as apresentações dessa temporada, desde o domingo até quinta à noite. E, que em todas as noites, a platéia ria dessa mesma cena. Quatro platéias diferenciadas, da especializada ou não. O que significa dizer, que tem um sintoma aí, que precisa ser entendido. Um sintoma da Cultura. Que aponta para um tipo de despotência que impede nós, seres humanos, de perceber e reverter as formas de controle. E, nessa cena, se é engraçado... só engraçado, não precisa perceber/entender a formulação que carrega uma denúncia/questão. Basta rir e não reverter.


Na aula, Helena conversava sobre Biopolítica, o controle sobre o corpo e a internalização da figura do panóptico (Foucault). E, usou esse exemplo, o riso na cena de Café Muller, para problematizar o poder sobre o corpo e os sintomas da cultura hoje.

O mais grave nessa situação específica, é que a arte tem o papel de desestabilizar e possibilitar outras conexões fora dos hábitos perceptivos. Em outras palavras, desconectar formas assentadas de perceber/sentir e abrir para outras mediações e conexões.

????????????? Como assim? E agora?

“Trilhões” de questões me invadem...

A cena estava montada, forte, exaustivamente desconcertante. Abraço que não se completa. Bocas que não se tocam. Corpo jogado ao chão. Outro abraço que não se completa. Bocas que não se tocam. Corpo jogado ao chão. Outro abraço que não se completa. E, e,e,e,e,e,e,e,e,e....

Eu, ali... desconcertada pela arte e paralisada pelo riso. Refém dessa situação paradoxal: potência/despotência, reversão/comicidade sem propósito. TODOS NÓS.

Eu, você, meu vizinho, minha mãe... todos nós, seguimos paradoxalmente pelas cenas do cotidiano. Cabe a mim, a você meu caro companheiro de Blog, decidir se vamos optar confortavelmente pelo abrigo do Circle de Soleil (como se refere Arnaldo Jabor na postagem abaixo) ou ser ceder ao convite da resistência... Ainda que seja por um tipo de Arte/Dança que nos deixa desconfortavelmente emocionados, justamente pela incapacidade de nomear aquilo que percebemos, mais que faz parte da natureza humana.

sábado, 26 de setembro de 2009

Minha imersão artística em Pina Bausch...


Imagem de Sagração da Primavera - Tanztheater Wuppertal


Mais uma imagem de Pina Bausch...


Pina Bausch - Café Muller


A DESPEDIDA DE PINA BAUSCH POR ARNALDO JABOR...

Pina Bausch partiu deste mundo mau
Por Arnaldo Jabor (O Estado de S. Paulo 7/07/2009)
Pina Bausch morreu. Logo agora que precisamos tão urgentemente de beleza. Quase ninguém falou de sua importância nos cadernos de cultura. Pina Bausch, uma das maiores coreógrafas da história, revolucionou a dança contemporânea, unindo balé com teatro.
Pina era "grande arte" - coisa rara hoje - para nós, que vivemos enganados por uma massificação da poesia, por uma sociologia crítica superficial na arte, por um ufanismo menor ou uma alegria compulsiva de pagodões e pilantragens de mercado para esquecermos o horror social do País. O discurso oficial do oportunismo chapa-branca nos faz acreditar em nosso "futuro glorioso" que não chega nunca. A história brasileira é uma novela de ilusões. Enquanto sonhamos, eles roubam. Enquanto acreditamos no futuro, o sistema político nos mente no presente.
Estas últimas semanas foram feias de ver: além dos escândalos diários, vimos a babaquice do PSDB (ninguém sabe mais o que significam os tucanos), tivemos de aguentar a cara de pau absoluta do Lula com o bigode do Sarney colado no rosto - vemos que a mentira venceu. Seduzido e enganado, o povo ama a hipocrisia e a incompetência. A feiura é saudada como "necessária" na política. Além disso, esse governo conseguiu uma coisa quase "revolucionária": usou tão largamente, tão torrencialmente o jogo de alianças tolerantes com o PMDB para sua única ideologia que é o próprio Lula, que fez jorrar como um esgoto toda a verdade do patrimonialismo do País que, agora, contemplamos, devastados.
Caímos numa espécie de perversão do lixo, um estranho amor pelo circo pegando fogo, uma volúpia pelo excremento, um frisson pela ignomínia. Não temos mais para onde olhar. Tudo é feio.
Foi aí que vi nos jornais que Pina Bausch tinha morrido. E pouca gente entre nós sabe quem ela foi, tirando a turma dos cultos e descolados.
Eu estive com ela uma única vez, num bar em São Paulo, e achei que fumava demais, em cadeia, e tive o temor de um câncer a caminho, por sua trêmula palidez. Pina para mim era um dos pontos luminosos da cultura contemporânea. Talvez seja o (a) artista que mais admirei na vida. Sempre que ela vinha ao Brasil, eu corria para vê-la, para passar duas horas (ao menos...) contemplando a mais pura forma de arte da atualidade. Isso; Pina Bausch conseguiu milagrosamente fazer uma arte que posso até chamar de "terapêutica". Dentro de um mundo violento, humilhado, ansioso por alguma grandeza, ela conseguiu nos dar inúmeros trabalhos cheios de delicadeza e paz. Esquecíamos tudo lá fora e ficávamos somente diante da poesia. E não era apenas o êxtase de uma sinfonia ou um grande filme. Não. A grande arte de Pina, a grande arte em geral, nos deixa ver a máquina leve que organiza a composição estética, o segredo do processo criativo. Ela não nos emocionava apenas; ela nos ensinava. Aquela coisa de "beleza é verdade e verdade é beleza" se realizava em seus espetáculos.
A importância artística de Pina é imensa, pois ela conseguiu descrever nossa época com uma mistura rara de sentimentos: angústia ligada à compaixão. Isso: melancolia com esperança. Há na arte, desde o pós-guerra, o sentimento do absurdo, o horror, a desesperança crítica. Os mendigos de Beckett vagueavam em desertos sem saída. O Estrangeiro de Camus pedia que saudassem sua morte com "vivas" de ódio. Hoje, na literatura, restou um anarquismo sem rumo, detritos masoquistas de uma desesperança superficial, "Kafkas pop", "sub-Joyces" despejando um automatismo narrativo porra-louca e superficial. Isso tem rendido prestígio e "sentido" a muitos idiotas. Muita gente conhecida transformou falta de talento em estilo, ausência de visão de mundo com "assunto". Descrença, desespero e ceticismo são bons para a promoção de falsos gênios. O "nada" dá lucro.
Pina Bausch, que já é filha da guerra fria, nunca esteve nessa. Ela sempre deixou um fio de felicidade passar por entre seus bailarinos solitários, desunidos, dessincronizados, nas tristes roupas cotidianas, pobres ternos, pobres vestidinhos, desamparados transeuntes do nada para o nada. Pina criou um minimalismo afetivo, sem a frieza rancorosa de tantos artistas "engajados", sem a negra alegria de saudar a morte, de festejar a impossibilidade, narrando um juízo final oportunista.Pina sempre viu uma melancólica beleza, "uma intensa luz que não se vê", como cantou Caetano (que também a amava), sempre nos mostrou uma paz dark diante deste mundo pós-WTC, pós-Al-Qaeda, pós-Bush.
Pina Bausch captava o imperceptível. Seus atores/bailarinos/personagens viviam sempre sozinhos, tentando o amor, tentando uma união que se desfazia e renascia.
Pina via com amor nossos clichês e aprofundava-os, salvava-os, raspando-lhes a casca da repetição óbvia. Pina humanizava nossos defeitos, nossos ridículos e nos oferecia a própria vida reciclada com carinho, virando-nos em viajantes de nós mesmos. Seus atores/personagens oscilavam entre desejo e repressão, entre liberdade e medo. Seus espetáculos sempre foram aulas de "grande arte" e, por entre os corpos bailando, percebíamos as influências mais límpidas da arte contemporânea. Víamos Fellini, claro, víamos Chaplin ali, víamos na cenografia o suprematismo, o minimalismo mais espontâneo, sem o velho exibicionismo TOC-vanguardista, víamos Mondrian, Malevitch, víamos os irmãos Marx repetindo as mesmas routines de chanchadas, víamos até Beckett raspado de sua depressão doentia. Ela desenhou, com a espantosa competência poética de seus bailarinos, um painel amplo da melhor criação do século 20.
É isso aí. Quando eu via Pina, eu saía limpo, oxigenado, purificado, pronto para mais uma temporada no inferno da estupidez nacional.Agora que ela se foi, ficaremos reduzidos ao "Cirque du Soleil"...

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Impressões Capturadas...

"O melhor pode ser inimigo do bom, mas certamente o "perfeito" é um inimigo mortal dos dois".
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual, 2003, p. 11

terça-feira, 15 de setembro de 2009

ESSE TAL DESASSOSSEGO...


“O desassossego resulta de uma experiência paradoxal: a vivência simultânea de excessos de determinismo e de excessos de indeterminismo. Os primeiros residem na aceleração da rotina. As continuidades acumulam-se, a repetição acelera-se. A vivência da vertigem coexiste com a de bloqueamento. A vertigem de aceleração é também uma estagnação vertiginosa. Os excessos do indeterminismo residem na desestabilização das expectativas”. [...] A coexistência destes excessos confere ao nosso tempo um perfil especial, o tempo caótico onde ordem e desordem se misturam em combinações turbulentas. Os dois excessos suscitam polarizações extremas, que paradoxalmente, se tocam. As rupturas e as descontinuidades, de tão freqüentes, tornam-se rotina e a rotina, por sua vez, torna-se catastrófica.”. (SANTOS, 2009, p. 41)

Peço licença para fazer conexões. A fala de Boaventura de Souza Santos, de imediato me chega como um acalanto para o meu desassossego artístico, uma possibilidade de entendimento dessa sensação de desconforto com a dança do ventre. E para não cometer um universalismo abstrato, aqui proponho uma questão para meu caro leitor, meu parceiro de BLOG: há algo no universo da dança do ventre que lhe cause certo desassossego? Ou sigo apenas com mais um dos meus devaneios solitários... esquisitices adquiridas nos meus 15 anos de dança?

Poderia chamar de qualquer coisa, ou descrever desassossegos físicos que todos nós temos, como por exemplo: típica agonia que me acomete nas noites de muito cansaço, aonde em vão busco uma posição confortável na cama... e viro, rolo, sento, levanto, deito, jogo as pernas no maridão, taco o travesseiro entre os braços, pernas... enfim... ou no contexto da dança, quando saio fuçando vídeos no youtube a procura de algo que me encante e me sinto como quem troca de canal , ou melhor troca de vídeo, neuroticamente. Vamos para este, ahhh parece bom, ahhh que nada... troca, fuça, troca, desisti.

O meu desassossego é antigo. Acompanha-me a mais ou menos 4 anos. Quando percebi que precisava escapar dos “campos de extermínio” da dança e re-inventar outras formas de me relacionar com a dança do ventre. Fiz muitas tentativas, e o ARABESKUE foi o meu laboratório coletivo, criativo e adaptativo. Fui da coreografia mais tradicional as fusões criativas. Quem não se lembra da GANG, coreografia na qual aproximava a dança do ventre com o HIP HOP? Ou da criação feita por Janah Ferreira, Geovanna Lemos e Rosane Sampaio, que buscava uma re-leitura das PANTERAS?

CORPOSSIBILIDADES... Estratégias de sobrevivência aos excessos de determinismos e indeterminismos que ditavam (ditam) as possibilidades criativas na dança do ventre. COMO SEGUIR? Reconhecer-me nos modos deterministas – estilos de dançar adotados por dançarinas padronizadas ou etiquetar-me “FUSION”- dançarina chegadinha a uma inovação, um MIX, uma fusão bem bacaninha, para causar impacto. COMO SEGUIR? Transitei por ambos modos.


Devo confessar que não solucionei meu desassossego, mas tenho pistas para isso. Neste ponto, cabe apenas partilhar minhas inquietações e pensar que atravessamos um momento de transição na dança do ventre. Espero que a coexistência dos excessos proponha desafios, inquiete e potencialize a feitura da ARTE, que difere do consagrar o consagrado.


Essa é a minha esperança: sair da catástrofe e anunciar outros modos de potencializar a experiência. (o que significa não repetir o consagrado, mais 1x) Ahh!!!! Temos tantas experiências dançantes, foram tantos works, cursos, aulas, etc. O que fazemos com tanta informação? DESPERDÍCIO ou POTÊNCIA? Podemos desperdiçar aexperiência ao reduzi-la a uma pobre cópia, ou.... ESCOLHER potencializa-la com a feitura de uma dança co-autoral/livre.

Quanto ao meu desassossego... tenho algumas pistas para começar a aquietá-lo... não desperdiçar as inúmeras experiências dançantes. O que significa também dizer, exercitar a criatividade, repropondo no meu corpo modos de fazer o oito, o zerão, o zerinho equilibrista, entre tantos outros passos, sem etiquetá-los com os nomes das dançarinas com as quais tive contato/aprendi. Assim como, sair fora dos achatamentos e colagens. CHEGA de achatar as experiências dançantes em pequenas colagens estereotipadas como as que fazemos, ao juntar dança do ventre com ... (aqui você completa, caro leitor, com o estilo de dança que desejar).
Outro dia, vi uma dançarina do ventre fazendo um MIX com tango que sinceramente, parecia uma passista de escola de samba. Roupa de dança do ventre, coroa de sambista na cabeça, 1/2 dúzia de passos combinados e música de tango ao fundo, sem falar no parceiro - el tangueiro - que aparecia espetacurlamente no meio da dança. Não seria mais inteligente pensar nos pontos de contato entre essas duas possibilidades dançantes? Ou na dinâmica dos movimentos, as pernas e/ou o assoalho pélvico como ignições das mesclas?

Enfim, temos uma missão quase impossível.... Mas afinal, quem disse que ser livre é uma tarefa fácil? Que as minhas pistas me levem ao sossego da liberdade, ser livre, sem a necessidade de provar que é livre.
O que desejo a todas nós? – O sossego de poder dançar o que quiser e na hora que desejar, sem as etiquetas/exclusões/empobrecimento que o próprio contexto bellydance nos impõe.

Para quem se interessou pela citação de Boaventura, segue abaixo o livro:
Boaventura de Souza Santos. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência. 2009. Cortez Editora.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Mais uma foto dos meus queridos alunos na Colação de Grau.


A PRIMEIRA VEZ COMO PARANINFA...

Ontem, 31/08/09, foi a colação de grau da turma 2009.1 do Curso de Licenciatura em Dança da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia. Vocês não imaginam como eu estava emocionada... Primeiro porque a escolha do meu nome como paraninfa da turma, me trouxe a valorização de um percurso na Universidade que nem sempre teve o devido reconhecimento e depois, a certeza de que a minha passagem como profa. substituta deixou marcas na vida de cada formando ali presente.

Quando os nossos atos são feitos por amor, colhemos amor. Essa foi a grande lição que aprendi ontem a noite. Que todo o meu “esforço” valeu à pena! A minha busca pelo afeto, pelo processo educacional tecido nas relações cotidianas, no olho a olho, no diálogo aberto, na escuta sensível e na ética de se colocar no lugar do outro. Afinal o que o aluno deseja, muitas vezes é totalmente diferente daquilo que você “pensa” que é necessário. Para tanto, é preciso a disponibilidade para transitar entre campos de saberes/aprendizados, com a finalidade de se fazer uma “liga” que tenha sentido e seja de fato, um processo de produção de conhecimento compartilhado. O aluno não é um depósito bancário, no qual você deposita o conhecimento e ponto final.

Ahhhh... ontem a noite chorei demais. Mal consegui dormir ao chegar em casa. Meu Deus, eu ali... uma professora que teve uma passagem tão curta na Universidade recebendo essa homenagem. Sentada na mesa de honra da Reitoria, ao lado de professores efetivos (que foram os meus professores) e da diretora da Escola de Dança. Longe de ser tomada por uma “vaidade” pessoal, para não dizer fútil... preferi “esvaziar-me” e estar disponível a receber, aprender...

E, sinceramente... a Solenidade de Colação de Grau não foi exclusivamente para eles – Cristiane, Daniela, Ítalo, Mauricio, Mila, Norma, Rita, Roseli e Viviane. Todos ali presentes foram contemplados. Foi tão impactante a auto-apresentação nas sacadas da Reitoria... O que se viu, foi um grupo de formandos com personalidade. Cada qual com sua “identidade artística”, sem medo de mostrar a cara ! Um exercício de CORAGEM e AUTONOMIA. Ainda mais hoje, onde vivemos um campo de extermínio para os artistas que não fazem parte do lado da Dança Contemporânea.

Foi um PRESENTE , ver duas alunas/colegas/profissionais de Dança do Ventre ali representadas! Roseli e Ritinha! Parabéns! Nossa arte ocupando mais espaços na Universidade!

Sem falar no sentimento de honra em colar grau... A emoção dos pais, familiares... A reverência a DEUS! A solenidade teve um sentido devocional, quase um CULTO!!!

Fiquei tão mobilizada internamente, que me fiz vários questionamentos... o percurso acadêmico nos deixa tão endurecidos. E, sinceramente... tudo que eu precisava era da energia, emoção de vocês...

Obrigada. Obrigada. Obrigada.

Que Diversidade!


Meus queridos afilhados! Todos agora Licenciados em Dança.


DISCURSO PARANINFA - CURSO LICENCIATURA EM DANÇA 2009.1

Excelentíssima Diretora da Escola de Dança, Profª Doutora Dulce Aquino, Prezados Professores e Funcionários Homenageados, em nome da qual saúdo os demais membros da mesa, Srs. Pais, familiares e demais convidados, Meus prezados afilhados formandos da turma de 2009.1.

Boa noite!

Quero iniciar, agradecendo, uma vez mais, o carinho com que vocês, meus alunos, me distinguem em uma homenagem tão bonita quanto essa – ser paraninfa da turma. Não dá para descrever com palavras a alegria que senti quando Roseli me trouxe a notícia da escolha do meu nome, e a emoção que sinto nesse momento. Quero, de antemão, pedir licença para compartilhar essa homenagem com meus colegas professores que, com igual disponibilidade e afeto, dedicaram-se à formação de todos vocês.

Quando pensei em escrever esse discurso, perguntei-me primeiramente quais os motivos da minha escolha. Depois, o que dizer nesse momento tão importante e de que forma eu deveria dirigir-me a vocês. Pensei como ponto de partida, refletir a dança enquanto campo de conhecimento e no modo como esse entendimento hoje redesenha o campo de atuação do graduado em dança. Mas cheguei à conclusão de que deveria partir do afeto que nos aproxima e me fez estar aqui essa noite, falando para cada um de vocês - Cristiane, Daniela, Ítalo, Maurício, Mila Rafaela, Norma, Rita, Roseli e Viviane. Afinal, a convivência que tivemos nos dois anos em que fui profa. substituta da escola de dança, possibilitou um espelhamento de sentimentos, pensamentos e atos, que nos fizeram cúmplices das nossas escolhas. Seja a minha de seguir a carreira acadêmica (hoje no Doutorado de Comunicação e Semiótica da PUC-SP), ou a de vocês, a partir dessa nova etapa de vida.

Nossa cumplicidade! (pausa), que me faz entender a minha escolha como uma a escolha de um percurso, não a escolha pessoal da professora- amiga Márcia Mignac, e sim o interesse de vocês em privilegiar um percurso que teve como eixo central a Universidade. Ou seja, o modo como alguém se relaciona com o conhecimento coletivamente partilhado, tornando este indispensável e gerador de possibilidades e co-autorias.

Diante disso, começarei a pontuar trilhas do meu percurso, no sentido de compartilhar experiências, para que nesse início de uma nova etapa de suas vidas, vocês possam refletir a respeito.

Como é do conhecimento de muitos de vocês, eu sou uma cria da Universidade Federal da Bahia. Aliás, todos nós somos! Ex-Médica Veterinária que movida por sonhos (guardem essa palavra – SONHOS), abandona a profissão para trilhar um percurso dançante. Durante os 15 anos que estive abrigada na Escola de Dança, criei diversas estratégias de continuidade e sobrevivência: graduei-me em Dança, fui professora de dança do ventre dos cursos livres, desenvolvi projetos de extensão, ministrei aulas na graduação e obtive o título de Mestre no Programa de Pós- Graduação em Dança.

Escolhas, nas quais, a Universidade foi se mostrando indispensável para mim e para minha carreira profissional.

Veja bem, aqui, temos uma das possíveis maneiras de se relacionar com a Universidade, e que de alguma forma interessa a todos nós. Pois suscita vários questionamentos. Afinal, o que é que a gente faz ao sair da Universidade? Como dar sentido ao conhecimento co-produzido? Volta para a Universidade? Todo mundo tem que voltar para a Universidade? Não. Nem todo mundo precisa voltar para a Universidade. Existem médicos, engenheiros, artistas... que são encaminhados imediatamente ao mercado de trabalho, e se tratando especificamente, da nossa classe – dançarinos, intérpretes, criadores, professores de dança - onde a profissionalização acontece em paralelo com a formação acadêmica, muitos de vocês já se encontram inseridos em escolas , ONGS, pontos de cultura, coletivos de dança ou trilham uma carreira artística independente.

O que importa é perceber o seu papel enquanto produtor e articulador do conhecimento. Onde quer que você se encontre: nas micro-ações do cotidiano, seja no mercado de trabalho ou na Academia. Que de fato, você faz parte da relação de co-dependência entre os que estão dentro e fora da universidade. Pois, os que estão dentro abastecem os que estão fora. E os que estão fora, abastecem os que estão dentro. Na verdade, não existe essa linha limítrofe entre o dentro e o fora. São processos que se constituem. Está tudo misturado.

O que implica dizer, que TODOS NÓS SOMOS ‘RESPONSÁVEIS’ pelo tipo de entendimento/pensamento abrigado no nome DANÇA. Ainda mais agora, que unimos “esforços”, artísticos, políticos e epistemológicos para fazer valer a dança enquanto campo de conhecimento.

Queridos, vamos carregar a universidade para o resto da vida. A coleção de informações que acessamos aqui é/está no corpo e continua operando no corpo. Não cessa ao sair da Universidade. Pelo contrário, suscita inquietações, proposições, relocações e atuações. A Universidade será uma das nossas referências, um ponto de partida, para nosso modo de atuar na sociedade.

E, cabe a cada um de nós descobrir, inventar, re-inventar nossos modos de funcionamento.

Eu, realmente acredito que em algum momento da vida de vocês, talvez entendam o diferencial de ter sido graduado (a) na Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia. Ainda que agora junto com o sentimento de dever cumprido, venham às críticas ao curso, frustrações pessoais e o enfrentamento das situações-limite próprias de quem escolhe a vida artística enquanto carreira profissional. Mas acreditem, hoje nós fazemos parte da ELITE da dança no país e a referência da nossa escola enquanto instituição pioneira – com a 1ª Graduação e Pós-Graduação de Dança no país tem um grande valor, peso, no meio acadêmico. Falo assim, porque eu mesma, nesse trânsito entre o eixo nordeste-sudeste, pude perceber o quanto fazer parte dessa instituição é valorado pelos profissionais da dança de outros estados.

Para tentar finalizar a nossa conversa, continuo com um precioso conselho: nunca deixem de sonhar. Lembram que pedi no início da minha fala para guardar a palavra sonhos? Pois, bem. Seria impossível chegar até aqui, sem eles. E, eu digo mais, será impossível dar continuidade a essa etapa da formação de vocês sem a ignição do sonho para apontar outros percursos e possibilidades. De acordo com Paulo Freire, na Pedagogia dos Sonhos Possíveis, “sonhar é imaginar horizontes de possibilidades” e “o impossível se faz transitório na medida em que assumimos a co-autoria dos sonhos possíveis”. Então, queridos alunos, assumam seus sonhos! Eu assumi os meus. Quando entrei na graduação de dança em 1995, eu disse a mim mesmo: um dia vou ser professora da universidade. Hoje, vocês realizam o sonho da colação de grau. Coincidências a parte, estou aqui com vocês, celebrando os nossos sonhos.

Aos queridos pais, quero agradecer por apostarem nos sonhos dos seus filhos, assim como os meus fizeram um dia.

No mais gostaria de dizer que estarei aqui, de braços abertos, com muita satisfação e alegria para recebê-los, seja para ajudá-los em alguma coisa (Normicha essa semana saí o nosso encontro) ou mesmo para conversar zilhões de coisas, pois conversa é que não falta!

E por fim, pedir que não se esqueçam que Deus é fiel. Caminhem na perspectiva divina, que Deus fará prevalecer os seus sonhos.

Um forte abraço a todos e muito obrigada!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

SENTIMENTALIDADES NO PRIMEIRO DIA...

Hoje foi minha estréia no Doutorado em Comunicação e Semiótica -PUC/SP. Tive a primeira aula na disciplina Teorias Culturalistas da Comunicação: a relação entre conhecimento e ambiente/ Prof. Amálio Pinheiro. E como de costume, peguei o ônibus em direção a Perdizes, como um dia normal e sem muitas expectativas. Afinal transito na PUC desde 2006, seja quando vinha de SSA assistir as defesas, participar de banca examinadora de TCC ou ficar horas naquela biblioteca maravilhosa. Sem falar que fui ouvinte de Helena nesse último semestre ( 2009.1) e toda sexta-feira passava o dia todo lá. Assim, hoje, sem muitas novidades (exceto precauções com o vírus Influenza A H1N1) desci a rampa com o ar de "mais um dia"... Mas... sem mais, nem menos... tchumpstachampsthums... meus olhos encheram de água e respirei fundo. Em frações de segundo, flashes da minha vida pousaram sobre mim... a graduação, a defesa do mestrado, toda dificuldade em finalizar a escrita da dissertação, dias após a morte de meu pai... a sensação de que não ia conseguir... parei no meio da rampa... e me vi ali, como aluna regular do doutorado, após tudo que passei. Não me senti mulher maravilha ou menina super-poderosa ,etc. A única coisa que me veio, foi o versículo biblíco: "Não temas, porque o Senhor colocará águas onde há deserto" (Is 43.20)... De fato, Deus tem sido generoso e fiel. Ele tem cumprido sua promessa em minha vida... e me recompensado em dobro. Quantas vezes repeti ao meu pai: "pai, desse jeito não vou conseguir terminar o mestrado", diante da sua demanda no último mês... Então... vocês podem imaginar como me senti hoje...agradeci à Deus pelas pessoas que me ajudaram a chegar até aqui... Tenho um coração agradecido...

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Para não entrar em Pânico...


É só uma fotinha para não se deixar levar pelo pânico da gripe suína... logo agora na minha 1ª semaninha de aula em sampa... Foto capturada do Blog da Cris - "Hoje Vou assim".

Ida ao Doutorado...

Queridos,
Em breve retornarei ao Blog. Estarei fora por algums dias, por conta da minha ida para sampa para o Doutorado em Comunicação e Semiótica/PUC-SP. Logo Logo... voltarei cheia de inspirações acadêmicas e álcool em gel nas mãos...
Beijos...
Márcia

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Impressões Capturadas

"Se eu enxerguei longe foi porque subi nos ombros de gigantes." (Isaac Newton)
Mais uma impressão capturada do Blog de Eduardo Bessa - Ciência à Bessa. Muito Bom!!!

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

MESTRADO: Por que.PORQUE.Porquê. Por quê.

PARTE I

O uso dos porquês possui empregos diferenciados, aqui cabem todos eles. A escrita a seguir, será fruto de uma reflexão pessoal e inesgotável dos motivos/ignições que me fizeram trilhar a carreira acadêmica. Diversos porquês me constituíram e constituem desde a reprovação na 1ª seleção no PPGDANÇA/UFBA em 2006, seguido da aprovação em 2007. Alguns foram aquietados, maturados, negociados, explicados, não respondidos e seguem agora no Doutorado. Afinal, o que seria da nossa vida SEM os porquês a maturar nossas escolhas?

A idéia de fazer o mestrado em Dança surgiu da escolha de seguir a carreira acadêmica, lecionar em uma instituição de ensino superior, uma vez que tive a experiência de ser professora substituta nos anos de 2005/2006 na graduação em Dança da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia. Tive o privilégio de dar aulas em diversos módulos pedagógicos/disciplinas: Arte como Tecnologia Educacional, Prática do Ensino da Dança, Estudos do Corpo, Análise Crítica da Dança, Rítmica, etc. Foi um período de muita dedicação, estudo, confronto diário e a busca do sentido/entendimento do que seja um educador.

Esses dois anos foram uma imersão no requinte intelectual, pois como diria o filósofo Orlando Bonafé; “eu gosto da idéia requintada, eu gosto do pensamento complexo”. Um período no qual fui instigada e instiguei meus alunos ao confronto e não ao conforto. A operar as suas idéias/sonhos e a transformar a passividade intelectual. Afinal quem disse que quem dança não gosta de pensar, ler e escrever? Dançar se faz na teoria e prática. Nosso corpo é “teóricoprático”.

Lembro-me que na disciplina de Arte como Tecnologia Educacional I, sugeri um exercício para o começo da aula. O aluno teria que em 15 minutos expor informalmente sua prática enquanto educador/professor de dança. Enquanto a outros caberiam a tarefa de questionar: Metodologia? Objetivo? Base teórica? O que faria diferente? Dificuldades? A idéia era a percepção de que toda fala/fragmento de um discurso vem comprometido com um pressuposto, uma idéia de mundo, um entendimento de dança, etc. e o mais importante: compromisso político da prática (ou não). Exercício possível a partir da “desacomodação” e questionamentos da fala proferida. Pois todos nós sabemos, como nossos discursos aparentemente são arrumadinhos. Mas que escondem fragilidades/incoerências de uma prática pouco questionada.

Logo, seguidor desse BLOG, percebe-se que sou uma pessoa que gosta do confronto. Diferente de oposição. Acredito que questionar-se ajuda a desacomodar hábitos que estão/são corpo. Os porquês direcionam, freiam, transformam. São operadores das nossas escolhas e sonhos, para não falar de idéias.

Por isso não acredito em coelhos que saem da cartola. Coincidências. Sorte. Nós atamos os fios das nossas escolhas. Agora a questão está no modo de como você se apropria dessas escolhas e as desenvolve. Não basta escolher. É preciso dar sentido. Construir-se. Dar visibilidade a esse processo de escolhas e construção.

Aqui, surge outro companheiro de viagem: “para quê”. Para quê mesmo o Mestrado? E mesmo que não se tenha todas as respostas, aqui é preciso dizer que vale mais o exercício de propor e repropor questões, do que respostas engessadas e acabadas.

Nesse sentido, como já foi dito antes, torna-me MESTRE significaria a habilitação necessária para participar de concursos na esfera do Magistério Superior. Resposta clara e objetiva para a questão acima. Contudo, não a única.

Assim, durante a escrita do Pré-Projeto de Mestrado, instrumento necessário para a seleção, um desejo me impulsionava: a possibilidade de maturar uma prática de atuação com adolescentes vítimas de abuso sexual. Ampliar a discussão em dança e inaugurar um campo de pesquisa – a dança do ventre em interface com a violência sexual.

Que desafio, hem? Pois se não bastasse ousar produzir conhecimento em um campo nunca pesquisado, o entendimento de/sobre dança foi montada a partir de uma estrutura preconceituosa e cartesiana. Com argumentos que reforçam o não questionamento e a não pesquisa em dança. Pois crescemos ouvindo dos nossos professores que pensar demais estraga a dança. Que o corpo que dança foi feito para expressar e não pensar. Em outras palavras, decapitamos nossa lógica de formulação em dança e valorizamos o corpo como apenas o lócus do sentimento.

Equivocadamente reproduzimos o pensamento de Descartes ao entender a mente separada do corpo, comprometendo o corpo como parte impensante e consequentemente a dança como linguagem indizível, sem lugar de fala e de comunicação. Basta apresentar-se, basta entreter - ARTE QUE SE AUTO-APRESENTA e, acaba ao final dos aplausos. Ahhh vida, ohhh céus...

Foi nessa matriz que muito de nós foram gestados. O que reduziu consideravelmente possibilidades de entender/re-apresentar a dança. Lembro que em 2005, ao final do Projeto Re-creio (A Dança do Ventre na Reconstrução da Corporeidade em Adolescentes Vítimas de Violência Sexual) fui tomada por uma frustração, justamente por não ter argumentos mais “sólidos” do modo como a dança do ventre ajudou essas adolescentes na situação do abuso sexual. Reduzi a dança ao efeito que ela produz em nós, a exemplo: do resgate da auto-estima, notavelmente visto nos corpos dessas meninas. Mas quantos de nós ainda vamos dar as mesmas respostas as ações com dança? Será que só o resgate da auto-estima dá conta do recado? Ou a dança mudou o meu corpo, meu modo de me ver no espelho. Ou a dança para mim é vida. Blá, blá, blá....

Todas as respostas são válidas. Afinal diversas são as experiências e formas de acessar a dança. Cada corpo que dança tem o seu texto, a sua estória pessoal. Entretanto, seria mais ... (aqui caro companheiro de BLOG, você escolhe a palavra), não reduzir a dança ao efeito que ela causa em nós. Ir em busca do “como”, outros entendimentos, ao invés de olhar por cima. Olhar da copa da árvore tem seu preço, não é? Assim como descer, se aventurar de perto, meter a mão na massa... chegar até o canteiro de obras.

Foi a partir daí que entendi que a escrita da dissertação não seria apenas continuidades de um olhar mais ampliado de uma prática e sim um posicionamento político sobre o modo de proceder com a dança.

...

PARTE II

...

sexta-feira, 31 de julho de 2009

CONFISSÕES: Mestrado 2007/2008


Confesso que:

- Fui compradora compulsiva de livros. Comprei todos de Richard Dawkins e quase todos que o PPGDANÇA indicava.
-Alguns dos livros que comprei nunca os li. Encontram-se agora no guarda-móveis de Campinas à espera da mudança e possibilidade de serem lidos.
- Sonhava muito mais com uma máquina copiadora para tirar tantas xérox que desejasse do que com uma roupicha nova.
- Descobri que colocava as vírgulas no lugar errado.
- Desenvolvi um sistema caótico de anotação e fichamento que SOMENTE eu entendo. Porém eficiente por demais!
- Rabisquei e destaquei(usei caneta pilot) em vários dos trechos dos meus livros de Foucault, Pélbart e Katz. Ohhh arrependimento! Foi a emoção do encontro com as palavras!!
- Muitas vezes me perguntei: o que estou fazendo aqui? Por que não fiquei com minha casinha no campo, meus livros e nada mais?
-Em outros momentos repetia: não sei viver sem a academia. Eu só quero chocolate e a vida acadêmica. Viva Lakoff e Katz!
-Me desesperei várias vezes pela dificuldade de acesso imediato ao entendimento de inconsciente cognitivo/Lakoff . Mas fiz cara de entendida!!!
- Fiz “bico” para Foucault, Agamben, Zizek, Lakoff, Katz, Vieira, Boaventura, Pelbart, Buttler, Ranciére, entre muitos outros, para depois me tornar uma fiel seguidora deles.
- Em algumas discussões teóricas (no período de alunas especial/2006), tinha a sensação que meus colegas tinham fumado uma “maconha mal fumada”, pois era muita “viagem” para o meu corpinho 100% livre de Lakoff & Jonhson, Dawkins e Pinker. (Não estou com isso querendo dizer que meus companheiros de turma fazem uso de drogas. É apenas uma metáfora!)
- Me peguei várias vezes com cara de boba (em êxtase total) ouvindo as falas de Helena Katz.
- Engordei 6 kilos e desenvolvi uma gastrite.
- Após ter entrado no mestrado, desejei ardentemente desenvolver outro projeto de pesquisa, totalmente distinto do inicial. Algo que agrega-se minha outra profissão – Veterinária - com a Dança. Achei que poderia ser etóloga, evolucionista e dançarina. Acho que em 2 anos poderia ter desenvolvido pelo menos 3 projetos diferentes.
- Sem a vivência das disciplinas do mestrado, participação nos grupos de discussão/eventos, indicações teóricas, orientações... não seria possível fazer as conexões que fiz.
- Nunca me confessei, apesar de ter estudado em um Colégio Nossa Senhora da Conceição.

OBS: Ahhh... que tal você também compartilhar suas confissões!!!

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Me ensina a não andar com os pés no chão


"Olha

Será que é uma estrela

Será que é mentira

Será que é comédia

Será que é divina

A vida da atriz

Se ela um dia despencar do céu.."
(Beatriz, Chico Buarque/ Edu Lobo)



POR UM TRIZ...Escritas Iniciais

Hoje conversando no MSN com uma amiga mestranda do PPGDANÇA/UFBA, li a seguinte frase: "escrever é como caminhar no escuro, você nunca sabe como/onde vai pisar ou se vai pisar em algum buraco". E é exatamente isso!! Principalmente quando iniciamos os nossos passos na pesquisa e não compartilhamos nossos rascunhos com a orientadora. Foi desse "jeitinho" (como costumam falar os mineiros) que me senti nas minhas primeiras tentativas. Um bêbado equilibrista, BEATRIZ (música de Chico Buarque), me perguntando se um dia eu despencaria do céu? Ou qual seria o próximo buraco? A busca de equilíbrio entre minha veia poética e o rigor esperado da academia.


Segue-se nos erros, acertos, leituras, fichamentos, embates com a orientadora, etc. Para no fim entendermos que "Para sempre é sempre por um triz", como canta Chico. Pois afinal, a gente lê, refaz a leitura, escreve novamente e pensa que poderia ser melhor. Foi quase... um triz...


Abaixo segue uma das minhas primeiras tentativas de escrever um artigo... logo no primeiro semestre de 2007.


Por um triz...

Impressões Capturadas

"A luz sempre brilha para aqueles que nunca esquecem de acender as velas"
Uma frase oferecida por uma amiga e funcionária da Escola de Dança/UFBA, ao saber da minha aprovação no Doutorado em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Obrigada minha Liu!

quinta-feira, 9 de julho de 2009

O Dia D... Defesa!


Só quem sobrevive ao Mestrado é capaz de ser BREGA: tirar fotos, fotos e mais fotos no dia da Defesa (18/12/2008)

Meu quarto... por entre o CAOS e por uma Lógica Organizativa.


Outubro de 2008/Ajustes finais da dissertação

Minha fiel companheira de estudo...


O que seria de mim sem seus súbitos roubos? minha havaiana, a caneta no chão...

Seu descabimento autorizado: se embrenhar entre meus livros e amassar minhas anotações...

Sua companhia quase muda, mas que me preenchia madrugada a dentro...

Minha PANDORA...

Pandica, PAM...

Que me seguia pelo apartamento dos meus pais e retornava ao meu quarto, sem reclamar do refúgio acadêmico.

Impressões Capturadas...

"Intelectual é uma pessoa que encontrou algo mais interessante que sexo." (Aldous Huxley)
Encontrei no Blog de Eduardo Bessa. Não é demais?

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Sigo descabelada... Mestrado,Doutorado,Mudanças...zumbi dos meus desejos...


Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia...


Ao rememorar os anos de 2007 e 2008 (principalmente o ano de 2007), nos quais me tornei mestranda do Programa de Pós-Graduação em Dança/Escola de Dança/Universidade Federal da Bahia, penso que deveria ter escrito um diário de impressões pessoais. Afinal, o mestrado é literalmente um mix de suicídio diário com proclamações de ressurreição. Morre-se e vive-se todos os dias. Enquanto pessoa, SER HUMANO, mesmo. E o que fica de mais bacana, é sobreviver à dilaceração emocional e negociar com as perdas e ganhos diários.

Perdi a conta de quantas vezes reli Foucault, Pelbart, Aganbem, Zizek, entre outros cientistas políticos, na tentativa de acessar algumas informações e conexões ali possíveis. Rabiscava os livros (sorte que todos eram meus) e criava um sistema de anotação quase caótico, que me ajudasse a entender o que ali estava escrito. Ahhh... Como eu tinha vontade de morrer ao ler aqueles parágrafos como se fossem um romance ou a revista boa forma. Palvras.PALAVRAS.PAlaVRAS.paLAVRas. Uma violência a minha identidade NERD. Meu estômago ardia, minhas pernas dançavam um balé inquietante... Sem falar, na vontade de fazer tudo: ver televisão (coisa que não me apetece muito), faxina de casa, assaltar a geladeira, etc. etc. etc. menos reler o texto novamente. Porém um anjo bom, compadecido pela tamanha crueldade sussurrava: calma... olha os caras que você chamou para conversar...a sua coleção de informação ainda está num processo de refinamento... calma... dê um desconto... tempo...quando você menos perceber... o texto ficará familiar. E assim foi. Tanto que virei compradora compulsiva dos livros de Foucault, Aganbem e Zizek. De Aganbem, por exemplo, tenho todos publicados no Brasil e simbolicamente equivale a um bem precioso. Agora me pergunte: leu todos os livros comprados? – Claro que não! Mas estão aqui à espera... como tantos outros desejos.

Entretanto, além dos suicídios teóricos, existe também o outro extremo: o gozo intelectual. Hum... Sem comparação com Capuccino Kopenhagen, Alfajor Argentino Havana, a maniçoba de mainha ou o acarajé de Jandira... prefiro Damásio, minha querida Helena Katz, Greiner, Lakoff e Maturana e, saborear aquela sensação de que se fala a mesma língua. Que realmente dá para chamar todos para um delicioso bate papo. Um banquete teórico! Era a glória! O céu! Cabiam todos na minha pesquisa. Redondamente falando. Argumento fundamentado, hipótese comprovada e a identidade NERD reinante. Eu, simplesmente, um gênio! Capaz de chegar àquelas conexões. Então... qual o gosto mesmo do Capuccino Kopenhagen? Sepultei todos os sabores mundanos e quase fiquei assexual. Mas esse gozo intelectual durava até a próxima orientação, na qual recebia a indicação (gentilmente falando) de que era preciso fazer recortes, focar na pesquisa e que estava vetado parte dos cientistas cognitivos convidados, afinal do que mesmo estava tratando?

Acredito que essa experiência é lugar comum a qualquer aluno de pós-graduação ou que está em trabalho de conclusão de curso. O que não me faz nenhuma heroína. Porém, com as ressalvas da gastrite, 6 kilos acima do peso, queda de cabelo, etc., posso dizer que faria tudo outra vez e me descabelaria outras quinhentas vezes, só pelo felicidade de reler a dissertação (escrita em co-autoria com a orientadora) e me deflagrar com a seguinte questão: fui eu mesmo que escrevi isso? Diante da excelência do texto construído. E por fim... Perceber que só um ser que se permite morrer e viver diariamente, academicamente falando, é capaz produzir conhecimento. Haja CORAGEM! PAIXÃO! DETERMINAÇÃO e FÉ EM DEUS!
OBS: A dissertação teve indicação unânime para publicação. A indicação de publicação foi apontada desde a época da qualificação e reiterada no dia da defesa.

São apenas recortes da dissertação...

TÍTULO:
A SUBVERSÃO DA SUJEIÇÃO: AÇÃO POLÍTICA DA DANÇA DO VENTRE EM ADOLESCENTES SUJEITADAS E EM INSTITUIÇÕES.
RESUMO:
Esta dissertação apresenta a dança do ventre como uma ação política trabalhada em três eixos: corpos-sujeitos, corpos-instituições e na oficialização da dança nos espaços institucionais. Para tanto, defende a hipótese de que a dança do ventre é uma ação subvertedora e propositora de reorganizações corporais, uma vez que atua no mesmo ambiente de ocorrência da sujeição. Para entender o corpo que dança na situação do abuso sexual, o estudo apresenta a implementação da dança do ventre em instituições especializadas da cidade de Salvador-Ba. O objetivo é analisar criticamente os encaminhamentos de dança desenvolvidos nessas instituições, de forma experimental, nos anos 2004 e 2005. Para isso, através de leituras e análises sistemáticas, foi selecionado um recorte teórico concernente às relações estabelecidas entre dança, dança do ventre, corpo, poder e sujeição. Destacam-se autores como Katz e Greiner, Lakoff & Jonhson em diálogo com as obras de Foucault, e autores das ciências políticas como Pélbart, Butler e Agamben. A abordagem metodológica se dá via procedimentos e etapas de investigação, através da aplicação de entrevistas semi-estruturadas; da análise dos dados coletados nas experiências corporais; da análise crítica dos experimentos propostos e da articulação com as instituições receptoras. Desse empreendimento, a dissertação propõe-se ainda a discutir o lugar do corpo e do corpo que dança em espaços institucionais que adotam procedimentos da natureza no trabalho com adolescentes sujeitadas pelo abuso sexual. A observação das relações e implicações filosóficas-políticas dos corpos-sujeitos e dos corpos-instituições envolvidos na discussão do abuso sexual serve ao propósito de indicar possíveis devoluções às instituições, entendidas na etapa final do estudo como proposições, ao invés de conclusões finais. O estudo prestou-se ainda à tarefa de propor a oficialização da dança no protocolo de serviços das instituições analisadas.


Palavras-chave: dança do ventre; corpo; adolescência; sujeição.


terça-feira, 7 de julho de 2009


A maior riqueza do homem é a sua incompletude
Manoel de Barros


A maior riqueza do homem é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoai.
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando
borboletas.

Trechos do Memorial do Mestrado. Rastros de uma trilha dançante...

Setembro/2007
O meu interesse pela dança se deu a partir de uma indicação médica. Aos cinco anos de idade por apresentar déficit motor em decorrência de resquícios de um nascimento prematuro, o balé clássico surgiu como uma possível solução para esta questão. Na contramão de um acordo médico-familiar, estar na Escola de Balé do Teatro Castro Alves não se reduzia apenas ao treinamento técnico imposto pela dança e nas suas possíveis soluções para uma corporeidade fragilizada. Para mim, o mais fantástico era percorrer aqueles corredores imensos e escuros, e por inúmeras vezes desobedecer à disciplina formal e silenciosa que nos obrigava a caminhar como miniaturas de Margot Fontaine. Longe de sucumbir à fantasia de uma bailarina clássica, e oferecer ao meu corpo apenas demi-pliés como constituinte de uma corporeidade padrão, seguia correndo pelos corredores, pulando os degraus das escadas, olhando as aulas avançadas pela fechadura da porta e explorando o figurino, o ápice do proibido, com lapsos de olhares. Dentro deste contexto se iniciou meu estudo em balé clássico, muito mais pela aventura de estar num outro espaço distinto do habitual, do que pelo desejo de formação nesta técnica de dança. E assim se seguiram 10 anos, entre aulas, apresentações e participações em festivais e exames da Royal Academy Dance.

Aos 15 anos, na busca por uma outra opção de dança e sem algum pretexto para nutrir a formação em balé clássico, surgiram outras possibilidades dançantes: do jazz a dança flamenca. Incursões que seguiram até a maioridade, quando já cursando a graduação de Veterinária da Universidade Federal da Bahia, as disciplinas eletivas (Expressão Corporal e Prática da Dança), na Escola de Dança, apresentaram-se também como um outro jeito de constituir a minha corporeidade, nesse momento tão implicada com a conduta médica da profissão de Veterinária. Lembro que entre a aula de Anatomia II, grupo de dissecação de animais e a aula de estatística, retirar o jaleco e colocar a malha de dança configurava-se, no meu ponto de vista, uma subversão. E como as escolas são vizinhas, sair do prédio de veterinária e chegar ao de dança, era como burlar protocolos. Sempre ouvi dos meus professores a seguinte pergunta: você vai ensinar os cachorros a dançar? Como se a questão imposta fosse essa.

A aproximação física entre a Escola de Veterinária e a Escola de Dança, e o contato com a dança do ventre em 1993, na cidade de Belo Horizonte, durante o período do meu estágio de conclusão de curso, foram duas situações que determinaram às minhas escolhas futuras. Quando em 1995, após a seleção de mestrado em Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública na Universidade de São Paulo, se deu também a seleção para vagas residuais da Universidade Federal da Bahia, não tive dúvidas, me inscrevi no teste de habilidade específica para o curso de dança. E na contramão do desejo familiar e do contexto acadêmico-profissional, após a aprovação, abandonei a carreira acadêmica na USP e me matriculei no curso de Licenciatura em Dança.

O ingresso no curso de Licenciatura em Dança, em 1995, além estabelecer uma jornada dupla de ocupações, respectivamente, aulas na graduação pela manhã, plantões em clínicas veterinárias no período vespertino ou noturno, foi à experiência que anunciou o fim de uma carreira profissional em veterinária e a luta por uma formação em dança e consolidação no mercado de trabalho. Nesse mesmo ano, motivada pela graduação, comecei a ministrar algumas aulas de dança do ventre em Escolas de Dança de Salvador. Um movimento que se prosseguiu timidamente, até que em 1998, ainda como aluna da graduação, tive a oportunidade de introduzir aulas de dança do ventre no quadro dos cursos livres dos cursos de extensão. Essa experiência foi um grande salto na minha carreira enquanto professora, pois possibilitou as primeiras articulações entre o ensino e a pesquisa em dança. As aulas nos cursos de extensão prosseguiram até o ano de 2007, ano de ingresso no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Dança.

Desenvolver atividades de ensino no curso de extensão não apenas possibilitou consolidar meu nome no mercado da dança em Salvador e a saída definitiva do campo de trabalho em veterinária, como também, fez com que eu ampliasse o meu olhar sobre a dança do ventre e investigasse procedimentos metodológicos que atendessem à proposta pedagógica da Escola de Dança. O foco estava em destituir fazeres habituais e restituir outros: tratar a dança do ventre como princípios gerais a serem explorados e abrir brechas para um processo de investigação por parte das alunas. Ir além do entendimento da dança apenas como uma coleção de passos e do processo criativo enquanto composições coreográficas a serem reproduzidas.

No ano de 2002, ao final da graduação, mas especificamente na disciplina Prática de Ensino da Dança e durante o meu estágio supervisionado, tive a oportunidade de refletir o meu percurso na graduação. Diante de uma proposta desafiadora de propor outras inserções na prática pedagógica, fui instigada pela oportunidade de ministrar aulas de dança do ventre no CEDECA (Centro da Defesa da Criança e Adolescente), para adolescentes vítimas de violência sexual. Em 2003, sob a orientação da Profa. Beth Rangel, essa ação voluntária foi sistematizada na forma de um projeto de extensão e concorreu ao edital da Pró-Reitoria de Extensão da UFBA- SESu-MEC/PROEXT 2003. Após ser selecionado e contemplado com apoio financeiro, o projeto foi executado em 2004 e reconduzido para uma segunda etapa em 2005.

Ainda que desenvolvido de forma experimental, o “Projeto Re-CREio: a dança do ventre na reconstrução da corporeidade em adolescentes vítimas de abuso sexual”, se constituiu uma proposição inaugural. Não apenas pela aproximação de fronteiras como dança do ventre, corpo e abuso sexual, mas também por configurar a única abordagem de dança dos serviços institucionalizados ao atendimento às pessoas em situação de violência sexual. As proposições desenvolvidas, já indicavam implicações no modo como o corpo, e o corpo que dança eram tratados na situação do abuso sexual. Assim, desenvolver uma pesquisa acadêmica a partir desse campo de atuação tem um compromisso em propor questões, reflexões e indicar as instituições especializadas um outro jeito de organizar a sujeição.

Estar vinculada hoje a um Programa de Pós-Graduação em Dança vai além da possibilidade de desenvolvimento de uma pesquisa e da obtenção de um título de mestre em dança. Para mim, é a possibilidade de produção de conhecimento acadêmico em dança comprometido com desafios. Primeiro por inaugurar um campo de pesquisa no Brasil, com uma arquitetura de conexões antes nunca investigada. E, segundo por inserir a dança, e em específico, a dança do ventre em experiências de enfrentamento a violência sexual. Na contramão de um entendimento habitual de dança do ventre e da própria violência. É desvestir ações dos figurinos habituais e propor o corpo que dança como “corpossibilidades” de organização da sujeição.

Considero importante mencionar que, anterior à aprovação como aluna regular deste programa de pós-graduação, ministrei aulas como professora substituta da Escola de Dança da UFBA. Essa experiência contribuiu em muito no amadurecimento das relações entre ensino e pesquisa. E possibilitou uma troca de informações com outros professores, o que me fez construir caminhos mais consistentes para a construção de conhecimento acadêmico em dança.

Depois de ingressar no mestrado e ter sido contemplada no semestre 2007.2 por uma bolsa / FAPESB, tive que pedir exoneração do cargo de coordenação pedagógica do Curso de Educação Profissional Técnica em Dança de Nível Médio da Escola de Dança da Fundação Cultural do Estado da Bahia- FUNCEB, justamente por não permitir acumular vínculo empregatício. É importante mencionar que os sete meses de exercício dessa função determinaram um grande crescimento profissional. Justamente pela diversidade de ações impostas. Estar à frente de 14 professores e uma média de 90 alunos de um curso técnico de dança, dentro de um contexto de transição e de mudança de proposta pedagógica, requisitava não só ações administrativas e pedagógicas, mas principalmente ações questionadoras e propositivas. Cada reunião de coordenação pedagógica e cada sondagem feita com o corpo discente constituíam a oportunidade de geração coletiva de um novo projeto político pedagógico e consequentemente, uma revisão do currículo vigente. Uma experiência que me deixava muito à vontade e que alimentava as habilidades e capacitações desenvolvidas no percurso da graduação e do período de professora substituta.

Escrever este memorial a partir da minha trama da vida, em uma narrativa que se assemelha a um conto, não tem a intenção confessional, ainda que pareça. Avessa a essa forma de comunicação, a minha proposta aqui é revisitar experiências. Experiências que são corpo e constituem pensamentos, um modo de ser e estar no mundo. É refletir o quanto transitar por experiências aparentemente não intercambiáveis possibilitou um outro jeito de organizar informações referentes à veterinária, a dança e a dança do ventre. È subverter protocolos e a reiventar jeitos de abrigar uma Márcia veterinária, licenciada em dança e também dançarina do ventre. E perceber, que de algum modo, esse jeito de estar no mundo, subvertendo e reiventando situações postas, se faz presente não apenas no domínio profissional, no jeito de encaminhar a pesquisa do mestrado, mas também desde a situação do meu nascimento. Vir ao mundo aos seis meses, com apenas um quilo e duzentos gramas, e assim sobreviver, não deixa de ser uma ação que subverte um prognóstico negativo e habitual na década de setenta.

Acredito que parte do substrato constituinte do meu projeto de pesquisa acolhe essa lógica das relações que se tecem nas experiências vividas. Pesquisar é viver. E no meu caso, viver é seguir na contramão das situações postas. Propor novos jeitos de seguir.

Primeira vez...


Peço licença e uso Cecília para dar o ponto de partida a essa escrita. Não haveria outra forma de apresentar-me sem postar parte do poema - Mulher e a Tarde de Cecília Meireles...


“Sonho muito, falo pouco.Tudo são riscos de louco e estrelas da madrugada…"


Essa também foi a dedicatória escrita por minha irmã, Lilian, ao me presentear com o livro "Viagem/Vaga Música"/Cecília nos meus 18 anos.