segunda-feira, 5 de julho de 2010

QUAL O FETICHE MAIS HABITUAL DO BALÉ CLÁSSICO?




Inspirada no post intitulado como – A dança do ventre. Cadê o ventre? -publicado pela minha amiga belly dance Lorena no seu Blog (An)danças de Lory (http://andancasdelory.wordpress.com/), arrisquei-me a refletir na questão-título acima.

Uma tarefa que me fez revisitar meus 13 anos de balé clássico e tirar do baú sonhos, moldes, espetáculos, falas, etc. que moldaram minha menina-bailarina. E desde que me fiz gente no balé clássico, SEMPRE, ouvi a seguinte frase: “o balé é a base de qualquer dança”. Assim como outras na mesma direção, como por exemplo: “quem faz balé pode dançar qualquer coisa”. De modo que cresci na dança com esse fetiche, como se tivesse em mãos um passaporte poderoso para o trânsito no universo da dança.

Entretanto, na prática a situação foi bem diferente, a começar pelo meu ingresso em 1995 na Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia. Onde de imediato foi desmontado esse fetiche, nas aulas de dança moderna. Nas quais a necessidade de estabelecer outro tipo de experimentação com o nível baixo, por exemplo, com as quedas e recuperações, me mostrou o quanto meu corpo não tinha disposição para tal aventura. Afinal foi montado em cima da meia-ponta ou sapatilha de ponta, dentro de uma verticalidade imposta na dança clássica. Devo confessar que sofri muito para dialogar com outras linguagens e permitir que meu corpo fosse aberto a outras línguas, sem a hegemonia do balé.

De modo que ainda fico a me perguntar o que sustenta tal fetiche? Se hoje temos uma profusão de outras experimentações na dança, abertas a diversas instruções que não sejam as hegemônicas? Uma vez que se busca localizar o processo de conhecimento e experimentação a partir da proposta artística de cada dançarino-criador-interprete, sem a imposição de senhas (técnicas pré-dadas). Tem-se uma tendência de mesclas artísticas ou não. Com as aproximações/fusões entre as instruções da dança a educação somática, técnicas circenses, lutas marciais, práticas esportivas, entre tantas outras.

O que importa é pensar qual a demanda do processo criativo? Que línguas o corpo precisa falar para dar conta da obra. Afinal cada obra fala por si. Justamente pela “necessidade” de referências situadas no contexto de criação da obra. Assim, se a lógica compositiva de determinada obra se mescla com uma tônica circense, que tipo de instrução cabe na composição? Caberia, de fato, o balé clássico? Ou a capoeira? Ou a técnica de tecido? Ou...

Qual é o ponto então?

Que não dá mais para universalizar as instruções da dança como verdades absolutas. Ainda mais quando se compreende o corpo como instância indissociável do seu ambiente. De modo que é preciso pensar o que o corpo faz com as informações que ele tem acesso? E que talvez, nem todas sejam apropriadas para o processo criativo na dança em curso.

Inquietações que me fazem refletir porque tal fetiche encontra abrigo tão estável na dança do ventre. Migração que não vem de agora e sim do período do Cabaré de madame Badiaa (ver outra postagem nesse blog– Você tem fome de quê? Em 06 de fevereiro de 2010). Que de vez em quando retorna ao mercado como uma propaganda efetiva que reforça o discurso GENERALISTA, de que o balé clássico é capaz de dar grandes contribuições para a dança do ventre. Quer uma prova? Basta ver a quantidade de cursos que surgiram nesse sentido. Lá vai... “CURSO INTENSIVO DE BALÉ CLÁSSICO PARA DANÇA DO VENTRE” (Estudo de aprimoramento de técnicas clássicas aplicadas na dança do ventre. Com os seguintes temas abordados: giros, saltos, arabesques, cambrés, resistências e execução dos passos, chasé como forma de deslocamento, etc.)

Não quero, aqui, fazer um des-serviço do balé clássico a dança do ventre. Afinal sabemos e o meu corpicho sabe, que a minha linda meia-ponta foi uma habilidade adquirida no balé clássico, assim como minha postura, facilidade para os giros e belas terminações, como as dos braços e pés (quer coisa mais feia que um pé torto na dança?). Mas... É preciso muita calma nessa hora. Pois assim como tive ganhos situados com a técnica do balé clássico e digamos essa constatação referenda o curso acima, como uma possibilidade de contribuições específicas, é preciso pontuar que também tive perdas. Ora, a primeira se configura em relação à força de gravidade (peso) necessária para execução da dança folclórica. Como executar um Baladi, que se estabelece pela relação de pertença com a terra e se utiliza do contato/peso nos pés, tendo como informação a leveza do balé? Assim como esta, muitas outras perdas somam à lista (dar uma olhadinha nas gravuras postadas a cima).

Essa breve descrição acima serve para localizar que tipo de instrução deve-se entrar em contato. E que serviço presta? Para não cair na cilada que o corpo precisa ser poliglota, ou seja, falar TODAS as línguas. E que qualquer língua/informação é bem-vinda.

É preciso aceitar o fato de que certos fetiches não são mais pertinentes – e, por extensão, demarcar quais deles são considerados escolhas/línguas/informações pelos corpos que dançam. Para quem sabe, com esse tipo de entendimento, se possa responder de forma mais tranqüila que tipo de informação está no corpo que o permitiu dançar daquele jeito? Com o intuito de desmontar discursos hierárquicos e universais, que tendem a privilegiar determinadas instruções a despeito de outras.

4 comentários:

  1. Muito interessante esse texto! Realmente são coisas pra gente começar a questionar...

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  2. Eu fico aliviada em ler isso. De repente me pareceu que para fazer dança do ventre "de verdade", era preciso ter uma mínima base de ballet.
    Eu nunca acreditei nisso. Na verdade, não quero acreditar. Quando vejo a Fifi Abdo ou a Souher Zaki dançando fico pensando: "mas pra que porcaria mesmo que a gente insiste tanto nessa coisa de ballet?"
    Eu não sou, nem nunca fui bailarina clássica. Me falta disciplina, paciência, perfil emocional e corporal.
    Na dança do ventre encontrei a possibilidade de deixar meu corpo se expressar da forma que ele é. Não quero cair nessa prisão perpétua. Pra mim, não dá.

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  3. gostei muito da sua colocação . vou montar um blog aqui(santa maria-rio grande do sul) movimento nascente,e será sobre varias danças e possibilidades. seria interessante ter seu contato se possível.

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  4. Oi Cristine adoraria contribuir com o seu blog. Qualquer coisa me escreve um e-mail que nos falamos melhor.
    m.mignac@uol.com.br

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