domingo, 27 de setembro de 2009

NOITE COM SOL...ASSIM FOI MINHA ESTRÉIA COM PINA BAUSCH...

Nós alunos da profª Helena Katz, fomos convidados a assistir um ensaio da Cia de Pina Bausch / Tanztheater Wuppertal na temporada que faria em São Paulo. Mais uma das generosidades, dessa pessoa maravilhosa chamada Helena, que compartilha momentos/aprendizados de arte com os seus parceiros, alunos e artistas da dança. Entretanto, tudo contribuía para uma “não-presença: noite fria, teatro longe – fora do centro de São Paulo, um frio daqueles... só que eu e mais de 100 alunos de Helena, não arredamos o pé, estávamos ali – no Teatro Alfa, domingo passado, 20/09/09.

E, por incrível que pareça, boa parte, achava que seria um ensaio aberto, passagem de palco, tão comum antes da estréia. Mas...não! Foi apresentado na integra Café Muller e Sagração da Primavera. Eu, quando comprei o programa e vi toda a situação típica de pré-estréia... fui tomada por uma emoção, como a de quem realiza um grande sonho: assistir Pina Bausch. E, mesmo que ela não estivesse ali, a sua presença era muito forte. Todos nós não vamos apenas assistir a obra artística e sim a obra de Pina Bausch.

Eu era pura emoção. Quando entrei e vi o cenário de Café Muller, não me contive. Os olhos encheram de água e assim foi durante toda a noite. A obra, Café Muller, é de uma força, é tão impactante... que por mais que já a conhecesse em vídeo, ali, ao vivo... É outra coisa.

Durante a graduação de dança (por volta de 1998), Café Muller, foi minha primeira tentativa de descrever e analisar uma obra de dança, digamos que, mais criticamente. Fiz dessa obra, meu material, para um seminário em Metodologia da Dança. Lembro que, li o livro de Ciane Fernandes sobre Tanz Theater Wupertal e tudo que tive acesso sobre Pina. E, por mais que entendesse a ignição temática dessa obra: a incompletude humana, os encontros e desencontros das relações amorosas e as memórias fantasmagóricas da infância de Pina... Ver ali, ao vivo, me desarmou totalmente. Ainda que soubesse cada cena, e ainda procurasse a presença de Pina. Não era a familiaridade ou a ausência dela (por que ela não está mais ali?) que contribuíram para esse atravessamento.

Literalmente fui atravessada por Café Muller nessa noite. Senti algo que não dá para descrever no verbal. Sabe uma emoção, uma beleza que te desconcerta? E essa sensação foi potencializada quando vi ao vivo.

Café Muller é tão impactante, te desestabiliza não só pelo tipo de estruturação das cenas, pesquisa dos movimentos, mas por estar ali a natureza humana crua e bela no corpo que dança. O lirismo que atravessa os corpos, não se propõe a suavizar as cenas. É descompromissado. E você, espectador, que dê conta da beleza e da dor ali presentes, não mais fora de você. Pina, nos ensina que não existe o” dentro” e o “fora”. Está tudo misturado.

Existe uma cena em que um casal se encontra e existe um personagem que tenta regular essa relação. Como? Corporalmente. Conduzido o abraço, o beijo e na forma como Dominique (o dançarino homem) carrega sua companheira. O regulador arma a cena, que se desmancha em seguida. Dominique larga sua companheira no chão, que levanta e o abraça. O Regulador vai de novo, arma o abraço, o beijo e a carrega. Isto se repete várias vezes e em cada vez, mais rápido, mais rápido... com exaustão. Até que o “regulador” sai da cena e o casal continua repetindo o controle. Sem a regulação, os corpos continuam reféns desse tipo de padrão coercitivo. Ou seja, não há mais a necessidade de alguém que diga como se deve abraçar, beijar, etc. Contudo, por mais desconcertante que seja, no domingo, a platéia riu dessa cena. Achando engraçadíssimo. Como disse Amanda, amiga e colega da pós, um tipo de risada cômica, igual como se estivesse rindo de uma das cenas do Zorra Total.

Saímos do teatro, comentando esse fato. Estranhamos, muitooooooooooo! Porque a cena é tão forte, que riso nesse lugar, é um absurdo! Até por se tratar de uma platéia especializada, ou seja, pessoas da dança e que pressupõe outro tipo de olhar. Enfim...

Assim, na sexta (25/09), na disciplina da Helena Katz (Processos Midiáticos e Produção de Conhecimento: Corpo e cognição) foi comentado (por ela) essa situação específica. Helena disse que foi a todas as apresentações dessa temporada, desde o domingo até quinta à noite. E, que em todas as noites, a platéia ria dessa mesma cena. Quatro platéias diferenciadas, da especializada ou não. O que significa dizer, que tem um sintoma aí, que precisa ser entendido. Um sintoma da Cultura. Que aponta para um tipo de despotência que impede nós, seres humanos, de perceber e reverter as formas de controle. E, nessa cena, se é engraçado... só engraçado, não precisa perceber/entender a formulação que carrega uma denúncia/questão. Basta rir e não reverter.


Na aula, Helena conversava sobre Biopolítica, o controle sobre o corpo e a internalização da figura do panóptico (Foucault). E, usou esse exemplo, o riso na cena de Café Muller, para problematizar o poder sobre o corpo e os sintomas da cultura hoje.

O mais grave nessa situação específica, é que a arte tem o papel de desestabilizar e possibilitar outras conexões fora dos hábitos perceptivos. Em outras palavras, desconectar formas assentadas de perceber/sentir e abrir para outras mediações e conexões.

????????????? Como assim? E agora?

“Trilhões” de questões me invadem...

A cena estava montada, forte, exaustivamente desconcertante. Abraço que não se completa. Bocas que não se tocam. Corpo jogado ao chão. Outro abraço que não se completa. Bocas que não se tocam. Corpo jogado ao chão. Outro abraço que não se completa. E, e,e,e,e,e,e,e,e,e....

Eu, ali... desconcertada pela arte e paralisada pelo riso. Refém dessa situação paradoxal: potência/despotência, reversão/comicidade sem propósito. TODOS NÓS.

Eu, você, meu vizinho, minha mãe... todos nós, seguimos paradoxalmente pelas cenas do cotidiano. Cabe a mim, a você meu caro companheiro de Blog, decidir se vamos optar confortavelmente pelo abrigo do Circle de Soleil (como se refere Arnaldo Jabor na postagem abaixo) ou ser ceder ao convite da resistência... Ainda que seja por um tipo de Arte/Dança que nos deixa desconfortavelmente emocionados, justamente pela incapacidade de nomear aquilo que percebemos, mais que faz parte da natureza humana.

2 comentários:

  1. Marcinha, vou alinhavar um comentário junto ao seu belo post.
    Conheço a cena que descreve, e fiquei na vontade "lombrigueira" de ver este espetáculo (rezo p/ que venham ao Rio!). Aprofundei meu conhecimento sobre Pina apenas agora na Dança-teatro, e cuja obra é uma das inspirações e fontes de estudo p/ o trabalho do grupo o qual faço parte.
    Acredito que o riso na cena em que descreve revela muitas coisas....
    - Pode ser a falta de um olhar educado a ver o "diferente", o inesperado, o aparentemente engraçado,em outras palavras, falta o olhar crítico. O olhar que vê além do que se materializa.
    - Encontrar identificação na repetição dos gestos do contato não consumado que os bailarinos interpretam leva à zona de desconforto - estou diante de algo que me toca, que me remete à lembranças pertubadoras da kinha existência. O melhor a fazer no momento é rir, observar aquilo como se não houvesse qualquer relação com a própria vida.
    - Falta total de intimidade com as expressões artísticas. Acontece e muito, vc sabe. Do público leigo até se perdoa. Dopúblico especializado, é assustador, para dizer o mínimo.

    Acho que esse seu doutorado vai render posts ótimos por aqui, flor. Tô torcendo.

    Beijos, Vivi
    É necessário o desenvolvimento da educação do olhar,o saber ver o que é até então diferente, "exótico", aparentemente engraçado.

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  2. Minha querida amiga soteropaulistana... por enquanto fico com a tentativa de compreensão de fato tão lamentável sobre a limitada apreensão artístico-cultural-cognitiva-social por parte de uma "sociedade" que e se tem como a elite cultural do nosso tão terceiro mundista país (o qual querem afirmar, assim, como tentou Pina em seu "Café Müller, a partir da repetição exaustiva de uma informação, que ele está em desenvolvimento...)de uma grande obra-prima... Confio no seu compromisso com as relações honestas com a dança e suas várias atuações na sociedade (quando se tem esse compromisso)...

    Sem mais a declarar neste momento... (abraços quentes do nordeste litorâneo brasileiro!!).

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