quinta-feira, 12 de agosto de 2010

SOHEIR ZAKI: A POÉTICA SE FAZ


Retomo a análise dos vídeos. Para quem chega agora no blog, explico que comecei a meter a mão nesse canteiro de obras com o vídeo da Fifi Abdoo (quem se interessa, veja nas postagens antigas). Nesse momento, tento cumprir o prometido: debruçar-me em Soheir Zaki. E de cara, explico a escolha do Vídeo. Em 1º lugar é apenas a primeira parte de uma rotina, dividida em 4 partes. Mas me detenho apenas a esta, justamente por trazer elementos indispensáveis a minha análise.
Vamos lá...
Inicialmente reconheço que a escolha foi proposital e não uma escolha por afinidade, como assim? Pois preferencialmente me encanto com Soheir dançando um Tacksin e em edições pequenas. Contudo o que chama atenção é o paradoxo entre a qualidade de movimentação escolhida por Soheir e o uso do espaço. Se vocês perceberem vejam que ela entra se apresentando com um véu, comum na entrada em cena, mas com a evolução da música, ainda assim, opta em manter-se com deslocamentos mínimos. Para os dias atuais, digamos que causa um certo estranhamento.
Se chegarem até o ponto 3:13 do vídeo, terão uma dimensão do tamanho do palco e da disposição dos músicos. De modo que é estranho percebe-lo sem uma ocupação espacial amplificada, preenchido com deslocamentos maiores e a tendência de Soheir manter-se centralizada e próxima a sua orquestra. Devo confessar que minha coleção de informação tão habituada a arabesques, piruetas, giros e movimentações de quadril em deslocamento no espaço, me deixou mal acostumada com esse tipo de escolhas.
Mas vamos em frente...
Por outro lado perecebo que preciso reconhecer outros ganhos. E vou me dando conta que Soheir nada mais é que um antídoto para os regimes de visibilidades que estamos tão acostumadas. Pois a nossa acuidade visual amplificou-se e pede de alguma forma uma hemorragia de informações em milésimos de segundos. Basta pensarmos no que a disposição de uma tela de computador causou a nossa cognição (?). Afinal, hoje somos capazes de estar com muitas "janelinhas abertas", sejam estas MSN, Orkut, Skype, Facebbok, etc. ao mesmo tempo em que digitamos um texto, atendemos ao celular e prestamos atenção ao nosso entorno.
O que explica o modo como meu corpo (entendido como mente e corpo inseparáveis) entende como um tédio a economia de movimentos de Soheir. Afinal os meus olhos pedem uma avalanche de informações, como se fossem as janelinhas abertas na frente do computador. Juro, que ao mesmo tempo que este corpo dançava no vídeo, o meu sugeria passos e uma outra organização espacial. Demonstrando certa intolerância em aceitar escolhas outras, uma vez que estamos e somos contaminados por um HIPERTROFIA do mais, cada vez mais e mais.
Retornando ao vídeo podemos dizer que a economia de movimentos e o MINIMALISMO como uma qualidade da dança, permite que SOHEIR convide o público para o seu espaço cênico. E de forma muito pessoal converte o VIRTUOSISMO em uma POÉTICA que não somos mais capazes de indentificar em nossos dias. Talvez por isso, algumas pessoas não tenham mais paciência ou gosto pelas antigas bailarinas egípcias, o que favorece certo desprestígio do passado.
Entretanto podemos aqui dizer que é no minimalismo do movimento, na forma como Soheir executa um Shimmie em "L" (ou outro movimento aperesentado), de modo tão localizado e claro, que se estabelece uma outra noção de espaço. É a partir dessa observação, que podemos dizer que o PALCO se faz no corpo e é no corpo de Soheir que os movimentos acontecem. Como se, de fato, deslocamentos/escolhas acontecessem em outro lugar - NO CORPO e não apenas nos limites da cena: boca de cena, meio do palco, extremidades, etc. O que nos permite dizer o quanto esse corpo-palco nos apresenta apropriação técnica, ao mesmo tempo que simplicidade e singeleza (entendam minimalismo/economia como substratos para a simplicidade e a singeleza apresentada).
Continuando com essa idéia acima, podemos dizer que o MINIMALISMO não é assunto novo para Soheir, acompanha-a em muitos outros vídeos e se torna um TRAÇO PESSOAL que se corporifica em outras possibilidades. Abre portas para uma poética própria, que privilegia a leitura musical no corpo, como se este fosse uma partitura musical. Basta adiantar o vídeo para o ponto 3:16 que veremos como seu corpo se traduz ao som do acordeon e mais a frente nas pequenas marcações. Sem que fosse preciso grandes efeitos ou algo mais além do necessário para este corpo fazer-se música. É justamente, nessa particularidade, que percebemos a poética desse corpo, que faz da sua destreza/simplicidade uma escuta musical.
Soheir nos mostra um refinamento que não reconhecemos hoje, uma vez que a tendência de grandes efeitos coreográficos fez-nos padecer na ignorância de acharmos o virtuosismo como a garantia de uma boa apresentação.
Que possamos aprender sobre o quê de fato se faz preciso dar visibilidade quando se dança - outros regimes no corpo e não apenas no entorno dele (palco? roupa? efeitos musicais? iluminação? maquiagem? adereços?). Reapropriações/conduções que pedem muito estudo e trabalho em sala de aula. Talvez nessa direção encontremos um solucionamento capaz de nos deslocar da HIPERTROFIA DOS SENTIDOS, que de algum modo também embutrece nossa percepção e dificulta experimentar regimes guiados por singeleza e simplicidade. Afinal por onde andará nossa percepção fina e o gosto pelo que amparentemente não está em negrito, contudo está ali, de forma mais sútil, poeticamente falando ???!!!!!!
Quem gostou, pode me indicar outros vídeos de outras bailarinas (os)? Aceito sugestões.

4 comentários:

  1. Adorei a sua análise!! Só gostaria de acrescentar um comentário, acho que o que colabora pra que muita gente de hoje, não goste de apresentações antigas é a música. Não sou conhecedora do assunto, mas tenho a impressão que as músicas hoje em dia estão mais "ocidentalizadas", então não soam tão estranhas em nossos ouvidos. As músicas dos vídeos de Souheir, Fifi, Mona el Said e outros mais antigos, parecem ter uma harmonia que soa muito estranha em nossos ouvidos, então acho que é isso também.
    Nesse outro da Souheir, (em que ela começa com uma infinidade de giros), a música parece ser mais próxima das que estamos mais acostumadas e não me causa tanto estranhamento e costumo curtir bem mais...
    http://www.youtube.com/watch?v=hP47dllH3Qg&p=665DEA3C7E87A957&playnext=1&index=37

    Abçs...
    ( e tenho uma curiosidade: vc também pensa em analisar algum vídeo da Dina? Ela sempre causa polêmicas e opiniões tão divididas...)

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  2. Marcinha, vc deveria fazer mais isso.
    É muitooooooooooooo bom!!
    E a Suher toca meu coração. De uma forma que nenhuma outra bailarina é capaz.
    Sabe aquela meia-lua, meia-lua e redondão que ela faz?
    Aff... amo.
    E os bracinhos regendo a orquestra?
    E o deleite com que experimenta a música?
    Sou Suher até a alma!
    E tô com a Laurinha: vc poderia fazer a próxima da Dina. Se bem que a Taheia Carioca também seria uma excelente pedida.
    Beijocas

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  3. Ai que alívio ler essa análise. Tem vezes que parece que ninguém se dá conta desses vícios de expectativa trazidos pelo excesso de informação da dança moderna! Aí vem dizer que Soheir é limitada e repetitiva...><
    Apoio as duas sugestões de análise e acrescento minha amada Naima Akef.

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  4. Oi meninas que bom receber o retorno de vocês. Para mim é super importante. Primeiro porque esse é um exercício difícil. Luto para não cair no meu gosto pessoal e tentar promover uma reflexão a partir dos elementos da dança, como espaço, forma, tempo, qualidade de movimentação, etc. Cruzando com questões que tenho estudado no campo da Comunicação e Semiótica. Como também não me interessa fazer uma tipologia dos passos apresentados pela dançarina e sim trazer questões pertinentes da dança na atualidade. OBRIGADA!!!
    Olha Laurinha concordo com você, quando diz que a ocidentalização da música direcionou um gosto musical muito restrito, o que dificulta mesmo um tipo de apreciação das musicas mais "tradicionais".
    Ahhhh Lory adorei a idéia que você trouxe quando diz que os bracinhos de Soheir parecem reger a orquestra!!
    E Eliane, também fico bem indignada quando escuto que Soheir é limitada e repetitiva. Como assim? Será que para DANÇAR é preciso apresentar uma hemorragia de passos? Uis...
    Quanto a próxima análise vou tentar fazer Dina. Que sinceramente é bem polêmica, vamos que vamos...
    Mais uma vez obrigada!

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