terça-feira, 15 de setembro de 2009

ESSE TAL DESASSOSSEGO...


“O desassossego resulta de uma experiência paradoxal: a vivência simultânea de excessos de determinismo e de excessos de indeterminismo. Os primeiros residem na aceleração da rotina. As continuidades acumulam-se, a repetição acelera-se. A vivência da vertigem coexiste com a de bloqueamento. A vertigem de aceleração é também uma estagnação vertiginosa. Os excessos do indeterminismo residem na desestabilização das expectativas”. [...] A coexistência destes excessos confere ao nosso tempo um perfil especial, o tempo caótico onde ordem e desordem se misturam em combinações turbulentas. Os dois excessos suscitam polarizações extremas, que paradoxalmente, se tocam. As rupturas e as descontinuidades, de tão freqüentes, tornam-se rotina e a rotina, por sua vez, torna-se catastrófica.”. (SANTOS, 2009, p. 41)

Peço licença para fazer conexões. A fala de Boaventura de Souza Santos, de imediato me chega como um acalanto para o meu desassossego artístico, uma possibilidade de entendimento dessa sensação de desconforto com a dança do ventre. E para não cometer um universalismo abstrato, aqui proponho uma questão para meu caro leitor, meu parceiro de BLOG: há algo no universo da dança do ventre que lhe cause certo desassossego? Ou sigo apenas com mais um dos meus devaneios solitários... esquisitices adquiridas nos meus 15 anos de dança?

Poderia chamar de qualquer coisa, ou descrever desassossegos físicos que todos nós temos, como por exemplo: típica agonia que me acomete nas noites de muito cansaço, aonde em vão busco uma posição confortável na cama... e viro, rolo, sento, levanto, deito, jogo as pernas no maridão, taco o travesseiro entre os braços, pernas... enfim... ou no contexto da dança, quando saio fuçando vídeos no youtube a procura de algo que me encante e me sinto como quem troca de canal , ou melhor troca de vídeo, neuroticamente. Vamos para este, ahhh parece bom, ahhh que nada... troca, fuça, troca, desisti.

O meu desassossego é antigo. Acompanha-me a mais ou menos 4 anos. Quando percebi que precisava escapar dos “campos de extermínio” da dança e re-inventar outras formas de me relacionar com a dança do ventre. Fiz muitas tentativas, e o ARABESKUE foi o meu laboratório coletivo, criativo e adaptativo. Fui da coreografia mais tradicional as fusões criativas. Quem não se lembra da GANG, coreografia na qual aproximava a dança do ventre com o HIP HOP? Ou da criação feita por Janah Ferreira, Geovanna Lemos e Rosane Sampaio, que buscava uma re-leitura das PANTERAS?

CORPOSSIBILIDADES... Estratégias de sobrevivência aos excessos de determinismos e indeterminismos que ditavam (ditam) as possibilidades criativas na dança do ventre. COMO SEGUIR? Reconhecer-me nos modos deterministas – estilos de dançar adotados por dançarinas padronizadas ou etiquetar-me “FUSION”- dançarina chegadinha a uma inovação, um MIX, uma fusão bem bacaninha, para causar impacto. COMO SEGUIR? Transitei por ambos modos.


Devo confessar que não solucionei meu desassossego, mas tenho pistas para isso. Neste ponto, cabe apenas partilhar minhas inquietações e pensar que atravessamos um momento de transição na dança do ventre. Espero que a coexistência dos excessos proponha desafios, inquiete e potencialize a feitura da ARTE, que difere do consagrar o consagrado.


Essa é a minha esperança: sair da catástrofe e anunciar outros modos de potencializar a experiência. (o que significa não repetir o consagrado, mais 1x) Ahh!!!! Temos tantas experiências dançantes, foram tantos works, cursos, aulas, etc. O que fazemos com tanta informação? DESPERDÍCIO ou POTÊNCIA? Podemos desperdiçar aexperiência ao reduzi-la a uma pobre cópia, ou.... ESCOLHER potencializa-la com a feitura de uma dança co-autoral/livre.

Quanto ao meu desassossego... tenho algumas pistas para começar a aquietá-lo... não desperdiçar as inúmeras experiências dançantes. O que significa também dizer, exercitar a criatividade, repropondo no meu corpo modos de fazer o oito, o zerão, o zerinho equilibrista, entre tantos outros passos, sem etiquetá-los com os nomes das dançarinas com as quais tive contato/aprendi. Assim como, sair fora dos achatamentos e colagens. CHEGA de achatar as experiências dançantes em pequenas colagens estereotipadas como as que fazemos, ao juntar dança do ventre com ... (aqui você completa, caro leitor, com o estilo de dança que desejar).
Outro dia, vi uma dançarina do ventre fazendo um MIX com tango que sinceramente, parecia uma passista de escola de samba. Roupa de dança do ventre, coroa de sambista na cabeça, 1/2 dúzia de passos combinados e música de tango ao fundo, sem falar no parceiro - el tangueiro - que aparecia espetacurlamente no meio da dança. Não seria mais inteligente pensar nos pontos de contato entre essas duas possibilidades dançantes? Ou na dinâmica dos movimentos, as pernas e/ou o assoalho pélvico como ignições das mesclas?

Enfim, temos uma missão quase impossível.... Mas afinal, quem disse que ser livre é uma tarefa fácil? Que as minhas pistas me levem ao sossego da liberdade, ser livre, sem a necessidade de provar que é livre.
O que desejo a todas nós? – O sossego de poder dançar o que quiser e na hora que desejar, sem as etiquetas/exclusões/empobrecimento que o próprio contexto bellydance nos impõe.

Para quem se interessou pela citação de Boaventura, segue abaixo o livro:
Boaventura de Souza Santos. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência. 2009. Cortez Editora.

5 comentários:

  1. Adorei isso. Tão familiar esse seu sentimento...

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  2. Uma abordagem muito interessante e inteligente.
    Além de tudo, uma conterrânea.

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  3. Marcia. Tivemos muito pouco contato. Uma palestra na Aldeia Ventre, uma "audição" que vi mais como uma oportunidade de ouvir seus conselhos (que procuro aplicar desde então, pelo menos tento rsrs)e um show. Porém é incrivel como sinto falta de ter alguém como vc como mestra e sinto até remorso de não ter "caido" em suas mãos antes. Esse artigo só fez reforçar isso, pois não sou profissional da dança, mas busco nela algo que ainda não consigo explicar, pois é intenso (desassossego?) e ainda não estou totalmente satisfeita. Muito obrigada pelo blog. Sou sua fã! (aliás, +1)

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  4. oi karla,

    claro que teremos outras oportunidades de estar juntas e saiba q não larguei a dança, viu? ainda voltarei a ensinar dança do ventre em SSA! vamos nos esbarrando e conversando pelo ambiente virtual. bjs

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  5. lory e largata... obrigada pelo compartilhamento. bjs

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