terça-feira, 25 de maio de 2010

MUSEU DE GRANDES NOVIDADES... O TEMPO NÃO PÁRA.


De partida gostaria de pedir aos meus companheiros de blog que me perdoem pelo tom um pouco ácido da escrita a seguir. Contudo, o tipo de bibliografia que tenho tido acesso não me permite mais olhar para qualquer coisa no mundo com certa ingenuidade de antes... Meu olhar acostumou-se pelo avesso, a procurar o que não está aparente. Mas que está ali e insiste em se mostrar, basta procuramos “o quê” está no lugar de cada discurso enunciado/materializado/posto diante de nós.

Já pegando um pouco a carona do cientista Mark Bernstein , em seu artigo – “Dez dicas para escrever a rede viva”, ele nos coloca a idéia de que para a rede se manter viva, em constante mudança, é preciso encontrar “bons inimigos”. Na verdade um inimigo-amigo, pelo qual muitas vezes você é provocado e discorda de muitas questões. Justamente para que no conflito, entendido por Bernstein como uma ferramenta potente, outros pontos de visão de mundo sejam postos e iluminados. Pois, de que adianta nesse espaço estabelecer um diálogo monocêntrico, onde apenas o autor do blog se coloca e, em muitas situações é reiterado por comentários egóicos, sem menor pretensão de troca/transformação daquilo posto? É a prática da interlocução, que faz essa ferramenta ter uma dinâmica de comunicação. E quem disse que comunicação se faz apenas com reiterações daquilo posto?

Assim, longe de me colocar nessa posição de “inimiga-amiga” a disparar questões polêmicas... Sinto-me, na verdade, motivada a fazer uma leitura política de muitas questões que envolvem a dança/dança do ventre, mídia e poder, com o objetivo de provocar um novo olhar sobre o fenômeno. Desestabilizar um pouco, questões aparentemente muito “naturais” e vistas como uma “norma” a seguir por muitas dançarinas-aprendizes ou até mesmo profissionais já estabelecidas no mercado. Artistas que encaminham seus fazeres artísticos apoiados por discursos que confundem arte com prática midiática, divulgação com exposição espetacular... E legitimam sua produção artística, sem ao menos se dar conta de que é mais uma “captura” dessa cultura espetacular e midiática que achata nossa produção em dança.

Um pouco de Nostalgia...

Eu fui do tempo que para aprender/fazer dança do ventre era de fato uma tarefa de sala de aula. Consistia em amadurecer, digerir a informação/movimento, até o mesmo maturar-se e tornar-se corpo. Não tinha o imperativo do apresentar-se em público. O feitio da dança tinha como condicional o aprontar-se, o processo de descobertas, sem que isso necessariamente chega-se a um produto espetacular. O que interessava era a singeleza do processo de descobrir-se e do apropriar-se da dança.

O apropriar-se significava experimentar, experimentar... sem a preocupação com o produto finalizado. E sim, com o processo de assinar sua dança, não como a música da moda, com a “roupicha da moda, etc. Mas com o seu processo de investigação, de composição da coreografia. Sem a tirania dessas senhas prontas, que fecham qualquer porta do reinventar-se, autorizar-se como co-autor de algo que sempre foi dado pelo outro, mas que no corpo torna-se singular.

Estar em sala de aula ou em workshops era a possibilidade de ser co-autor do material dado, que no seu corpo era re-editado como algo “seu” e do “outro”. Uma reapropriação como micro-bicolagens clandestinas, mas que de tanta experimentação, se tornava um novo enunciado no corpo. E não mais um enunciado de... da professora tal, da dançarina tal, etc.

Lembro que em 1996, dando aula na Escola de Dança de Antônio Cozido, o único material de aprendizagem disponível era uma fita de vídeo de Lulu Sabongi, a Arte da Dança do Ventre. Imaginem, CDs? Raríssimos. Tínhamos fitas cassetes de George Abdoo e algumas outras coletâneas de música árabe. De modo, que a nossa criatividade estava a serviço da técnica e da possibilidade de sobreviver a pouca informação em circulação. Digamos que tínhamos um cuidado muito maior em colocar nosso fazer no mundo. Tudo era movido por muita pesquisa, ensaio e pela espera de apresentar-se um dia. Roupas? Músicas da moda? Era colocado em segundo plano, uma vez que a oferta desses elementos quase não existia. Contávamos com o nosso feitio e com o processo de maturar-se, fazer-se dançarina.

O tempo não pára...

Mas você pode estar querendo me dizer, calma Márcia, hoje ainda é assim. Mas eu insisto em te provocar: será?

Hoje o que percebo é o seguinte: um encurtamento do processo de aprendizagem movido pela necessidade de apresentar-se como um produto espetacular. Todas querem o palco. Todas querem postar seu vídeo no youtube. Todas querem recheiar seus álbuns no Orkut, com as fotos da última apresentação. Todas querem...

Não que o palco seja algo sagrado, temível e destinado apenas as estrelas. Todas nós temos direito a ele. Mas quero dizer, que o processo de fazer-se dançarina não pode ter o imperativo do apresentar-se e tornar-se um produto midiático.

...
Olhe mais um vídeo no Youtube!!! Quem dá mais? Leiloamos nosso fazer artístico!!!! (desculpem-se por essa pitada de veneno)
...

Sei que o tempo não pára... e a democratização da informação é algo extremamente positivo. Afinal não sou a favor da escassez de materiais da década de 90. Mas o que hoje me inquieta profundamente é o excesso e a rapidez com que essas informações chegam ao corpo, sem que de fato tenham algum sentido ou se tenha tempo necessário para fazer-se corpo. Para que a dançarina construa a sua dança e torne-se co-autora.

Assim se por um lado, em 2010, temos todo o acesso à informação, via internet e a profusão de workshops, aulas, materiais técnicos e de aprendizagem, por outro, temos perdido a dimensão de que o acesso a informação não substitui o processo de investigação/maturação em sala de aula. Informar-se e fazer-se corpo são ações complementares e não excludentes.

O apelo midiático é tão intenso que de cara fratura a condição do artífice e do tempo necessário para fazer-se obra. Hoje não importa mais o tempo que você tem de aula, ou quem é seu mestre. O que vale é estar visível. Seja por uma web Cam, no Youtube ou no velho palco de guerra. Basta-se da visibilidade midiática como condição básica para ser dançarina. É justamente esse holofote e os aplausos da cena, que legitimam tantos nomes artísticos no nosso hall de opções. Devo discordar. E penso que, não é o palco que legitima a arte e sim o processo de fazer-se obra artística.

Aqui, permito-me usar um entendimento de George Agamben, para localizar melhor minha opinião/inquietação. Pois este cientista italiano chama a atenção para a atual fase do capitalismo que tende a transformar “tudo em um museu”. Onde o que importa é a visibilidade e a contemplação de qualquer acontecimento. De modo que tudo se torna produto capturado pela mídia.

Nossos corpos, desejos, afetos... nossa arte, nossa dança, a serviço do olhar do outro. Não mais como um acontecimento capaz de dar um outro sentido ao seu entorno. Mas como materiais a serem capturados e desativados do seu potencial de transformação. Vive-se um total achatamento dos nossos sentidos e da nossa percepção imagética.


Impera-se a banalização. Nossa imaginação foi atrofiada. O que se dizer da nossa capacidade de “religar” com os universos mais sutis? . Por onde andam os fios? Foram cortados? Tudo é passível de contemplação apenas. Mas não de transformação.

Por entre tantos museus de “grandes novidades” me pergunto: o que se faz novo ao seu entorno? Talvez nessa última questão, encontremos a solução para muitas das inquietações aqui compartilhadas.

Repensar nosso fazer artístico não apenas pela necessidade de fazer-se museu. Mas sim, pela possibilidade de levar a novidade ao entorno. Não a novidade travestida com as velhas fórmulas tão gastas pelas estrelas da dança. Mas... pela potência que a dança tem de fazer novidade no seu acontecimento, ainda que seja sem a roupa da moda, sem a música da moda... Gostaria de apostar na singeleza do corpo que dança em cena. CORPO-DANÇA SINGULAR, que não se alimenta só de aplausos, mas com a sua verdade a ser lida como uma possibilidade de autoria. A VERDADE-AUTORIA COMO CONTRA-DISPOSITIVO DE CAPTURA MIDIÁTICA. UM DESMONTE PARA TANTAS PRODUÇÕES PREMATURAS, ENTENDIDAS COMO TEXTOS ARTÍSTICOS COPIADOS DE DANÇAS SACRALIZADAS NO MERCADO.

2 comentários:

  1. Nossa, várias coisas a pensar...
    A internet torna possível a opinião sem censura, a avalanche de palpites, de pareceres, de análises. Isso pode ser bom, mas um ponto me preocupa: os "entendidos" em dança, analisando e julgando com empáfia de críticos o trabalho de profissionais que atuam há anos no mercado. Tenho receio de que os valores e o respeito ao tempo de trabalho do outro se anulem.

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  2. Vi concordo com você. A possibilidade de dar voz na Web, dentro dessa idéia de democracia (que discordo bastante), onde qualquer um posta qualquer coisa e se apoia num comportamento manifestatório que não implica em respeito pelo outro, realmente é um sintoma grave da rede. Fala-se qualquer coisa, muito mais por um interesse pessoal (de quem fala) do que pelo enfoque que o assunto requer. Também fico preocupada amiga e me decepciono muito com isso aqui.Falta de respeito pelo outro. Críticas não cosntrutivas e uma falta de ética total. Contudo o que aponto nesse post é um tipo de sociabilidade que a internet vem produzindo - uma prematuridade de ações/pensamentos que se legitimam muito mais pela necesidade de visibilidade, do que produção de conhecimento, que vem interferindo muito em diversos segmentos da nossa vida. E, aqui, tentei fazer uma conexão com o processo artístico da dança do ventre. Me incomoda essa hemorragia de vídeos, sem ao menos passarem por uma gestação criativa, entende? Essa necessidade de se fazer visível, de estar na rede, a qualquer preço, ainda que a qualidade da obra artística fique a desejar. Longe de criticar o processo criativo do outro... mas o que tento apontar aqui é uma inversão perigosa: ser visível/ estar na rede para ser legitimado, ao invés de ralação no corpicho. Basta ver a quantidade de vídeos de dança que são cópias de outros vídeos... Não é mesmo? Tem que vasculhar muito, para que algum vídeo nos mobilize e nos leve a uma outra dimensaõ. Até onde/como/quanto esse ciberespaço não reforça e contamina nossos corpos com essa acelaração, esse excesso de "visibilidade" e essa cultura das "imnportâncias". Será que tudo que é postado aqui é de fato "importante"?

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